Lisboa chorou ao nosso lado. Eu que até nem sou apreciadora de fado, com Carlos do Carmo é impossível não amar o fado. A palavra fado vem do latim fatum, ou seja, "destino", é a mesma palavra que deu origem às palavras fada, fadario, e "correr o fado". Aqui o destino de Carlos e o Carlos fadista misturam-se para nos deixar a saudade. Filho de Lucília do Carmo, uma das maiores fadistas de sempre, e de Alfredo de Almeida, um comerciante de livros mais tarde proprietário da famosa casa de fados O Faia, poder-se-ia dizer que Carlos do Carmo tinha o “destino” traçado à nascença, mas foi por pouco que o seu caminho não foi outro. Aos quinze anos foi estudar para a Suíça, para um colégio alemão, tirar gestão hoteleira em Genebra.
Foi a morte do pai em 1962, que o obrigou a assumir a gerência de O Faia, onde começou a cantar apesar de por diversão mas mais uma vez o “destino” impôs-se a Carlos e em 1964, porém, surpreende e de certa forma encanta o mundo do fado, ao gravar uma versão de Loucura, um fado também cantado também pela mãe, Lucília do Carmo, que interpretou na companhia do quarteto de Mário Simões, acompanhado a piano, baixo, guitarra elétrica e um coro de vozes femininas. Apesar de os seus gostos musicais apontarem para outros lados, não era para esses lados que apontava o destino de Carlos: Jacques Brel e Frank Sinatra seriam apenas influências que iriam moldar a sua arte! Em 1967, venceu o prémio de melhor intérprete pela Casa Imprensa. E em 1970, o primeiro álbum em nome próprio, O Fado de Carlos do Carmo, seria considerado pela crítica o Melhor do Ano. Estava de vez lançada uma carreira que, sete anos depois, teria um dos seus inúmeros pináculos com a edição de Um Homem na Cidade, hoje uma referência obrigatória na história do fado e da própria música portuguesa, álbum no qual interpreta apenas poemas de José Carlos Ary dos Santos, musicados por composições ainda hoje consideradas bastante inovadoras, de José Luís Tinoco, Paulo de Carvalho, António Victorino d'Almeida ou Fernando Tordo, entre outros. Tal como aconteceu com Ary dos Santos, ao longo da sua carreira Carlos do Carmo nunca deixou de trazer para o fado novos e surpreendentes autores, como António Lobo Antunes, José Saramago, Manuela de Freitas, Vasco Graça Moura, Maria do Rosário Pedreira ou Júlio Pomar. E também musicalmente nunca deixou de arriscar, como tão bem ficou demonstrado nos aclamados álbuns conjuntos com os pianistas Bernardo Sassetti (2010) e Maria João Pires (2012).
Sempre grato à vida – "é tão bom estar vivo" repetia vezes sem conta. Talvez soubesse valorizar a morte! Carlos do Carmo teve o seu maior reconhecimento quando, em 2014, lhe foi atribuído um Grammy Latino de carreira – o primeiro atribuído a um artista português. Mesmo assim, o Presidente da República de então, Cavaco Silva, não lhe deu os parabéns, talvez devido às sempre assumidas simpatias políticas de Carlos do Carmo pelo Partido Comunista Português. Tudo isto para dizer que Carlos, superou o destino, a verdade é que tanto ele como a sua arte são imortais, mas seríamos egoistas se não os deixássemos ir não seríamos? Então, o seu destino lá o levou para algum lugar, mas deixou-nos tudo aquilo que dele podemos preservar. Preservem-se então. Como o Carlos, preservou a vida. No destino ninguém manda!