Foi uma enfermeira parteira que me salvou a vida, ainda antes de eu nascer, quando por milagre se apercebeu do cordão umbilical enrolado à volta do meu pescoço. Não esperou pelo médico, desenrolou-o sozinha, antes que fosse demasiado tarde. São assim os enfermeiros, uma classe nem sempre valorizada, mas que não deixa de valorizar os outros.
Já lá vai a imagem das enfermeiras brutas de agulha na mão e com cara de más. Os enfermeiros que encontramos agora são, de uma maneira geral, dedicados, carinhosos e atentos.
É precisamente nos momentos em que nos sentimos mais vulneráveis e desprotegidos que eles nos acolhem. Quando somos acometidos por alguma maleita inesperada e nos vemos deitados numa cama de hospital sem saber bem o que nos espera. Quando nos sentimos um farrapo, perdidos, quando não nos reconhecemos num corpo débil e doloroso, quando precisamos de colo e carinho e não está ali mais ninguém. Ou quando alguém de quem gostamos muito está tão doente que não sabemos o que esperar, quando nos enchemos de medo e nos sentimos totalmente desamparados. É nestas alturas difíceis que os enfermeiros estão lá.
Como um anjo da guarda que nos acode, mostram-se disponíveis para o que for preciso. Falam connosco, sossegam-nos e fazem com tranquilidade a ponte entre a nossa dor e incerteza e a realidade, com os conhecimentos e a experiência que têm. Ajudam a relativizar, a confortar. E fazem-no em turnos, para que estejamos sempre acompanhados, dia e noite, muitas vezes prejudicando-se e às suas famílias. Este carinho e conforto que dão é muitas vezes tão importante como os cuidados de enfermagem que desenvolvem com a maior naturalidade. Aquilo que deixaria qualquer um mal disposto por vários dias, para eles é como beber um copo de água. E não só o fazem no trabalho, como estão sempre disponíveis para prestar cuidados a amigos e familiares – como a minha grande amiga Sofia e outros enfermeiros que tenho conhecido. Mais do que uma profissão, parece ser uma vocação, algo que faz parte deles.
A minha avó sempre pediu para que nunca a levassem para um hospital se estivesse doente, porque tinha sido num que o meu avô tinha falecido e devia fazer-lhe muita impressão imaginar passar os últimos momentos num sítio tão frio e impessoal. Nesta altura que atravessamos, em que os familiares muitas vezes não podem sequer acompanhar ou visitar os seus entes queridos, essa realidade pode ser de uma violência ainda maior. Resta-nos esperar que – além do resto do corpo clínico – esses anjos da guarda possam lá estar, apesar do cansaço extremo que estes mesmos tempos têm provocado. Que possam ajudar a dar algum conforto, a orientar, a animar e a consolar. Porque nos momentos em que nos sentimos mais frágeis os gestos mais simples adquirem um valor incalculável.
De vários relatos de situações difíceis passadas em internamentos hospitalares, feitos pelos próprios ou por familiares, sempre me sensibilizou a forma como reconheciam o apoio e carinho prestado por esta classe, que foi essencial para ultrapassarem com maior facilidade estes tropeções que a vida às vezes nos prega.
A situação difícil que agora atravessamos tem exigido mais destes profissionais, que têm respondido estoicamente, apesar do cansaço físico e psicológico com que têm de lidar sozinhos. Por estarem sempre disponíveis para os outros, técnica e emocionalmente, um sincero obrigado.