O primeiro texto do ano é normalmente dedicado ao que está para vir. Fala-se de tendências como uma tentativa de antever atitudes e comportamentos, ou seja, o que as pessoas vão pensar, sentir e, consequentemente, fazer. Acho que vale de pouco, sobretudo este ano, em que um conjunto de fatores extraordinários baralhou tudo e todos, criando um ambiente de medo e de grande incerteza que deita por terra a maioria das previsões. Mas houve casos de marcas que conseguiram afirmar-se, o que em tempos de pandemia pode não significar muito mais do que sobreviver.
Um dos setores mais afetados pela crise epidemiológica é, sem dúvida, o turismo. O que tem sido uma fonte de receita e competitividade cada vez mais significativa para muitos países, não só em Portugal, praticamente desapareceu.
Singapura foi um dos destinos que tentaram dar a volta à situação, criando experiências virtuais. Uma dessas iniciativas foi a experiência digital criada para colmatar a falta de visitantes da ilha Sentosa, um dos principais destinos turísticos da região. Em parceria com o jogo Animal Crossing: New Horizons, um conteúdo da Nintendo em que cada jogador desenvolve uma ilha, foi criada a ilha de Sentosa. Na ilha virtual são disponibilizadas algumas atividades populares na experiência real, como festas na praia com DJs, sunset therapy, o Sentosa Coktail Club ou até aulas de yoga. Alguns conteúdos são disponibilizados através do Facebook e Instagram da marca, o que contribui para uma experiência virtual mais completa deste destino turístico.
A forma como nos alimentamos foi outro dos aspetos que mais se alteraram com a pandemia e consequentes períodos de confinamento. Foi evidente um aumento significativo das refeições em casa, a par de uma diminuição da frequência de compra nas grandes superfícies (físicas). Com o contexto, vários negócios cresceram, mas poucos ao ritmo dos que prestam serviços de entregas em casa e take-away de comida. A Gousto, uma das empresas a operar no Reino Unido que faz entregas em casa de caixas de comida, que incluem uma receita e o conjunto de ingredientes para as confecionar, deixou de aceitar novos clientes durante a pandemia. Sejam modelos de subscrição que contemplam a entrega regular destas caixas ou encomendas pontuais, a pandemia trouxe uma maior disponibilidade e vontade de cozinhar em casa, comer de forma mais saudável e minimizar o desperdício alimentar.
Em períodos de confinamento, naturalmente, o sedentarismo aumenta. Apesar da liberdade para a realização de atividade física na zona de residência, se já éramos exímios na boa desculpa para não pôr os pés no ginásio, agora é ainda mais fácil, e a elíptica vai continuar a servir para estender roupa (apesar de sairmos menos de casa, o volume de roupa para tratar mantém-se constante). A Peloton, uma marca americana que vende aparelhos de ginástica, conectados e integrados com o serviço de subscrição de aulas, viu o número de utilizadores e compradores dos seus serviços aumentar exponencialmente. Entre outras coisas, ganhou escala para contratar Beyoncé como uma das embaixadoras da marca.
Do lado das agências que fornecem serviços de comunicação, a pandemia também trouxe necessidades de adaptação. A Martin, agência do ano 2020 para a AdWeek, após ganhar o importante concurso da Old Navy, viu a campanha vencedora cancelada devido ao encerramento de lojas. Mas, para ajudar a superar o contexto difícil em que muitas pessoas viviam, a Old Navy doou roupa no valor de $30 milhões! A partir desta iniciativa, a Martin associou-se ao artista plástico Noah Scalin para criar um retrato de uma família americana exclusivamente a partir de roupa da Old Navy. Seis semanas e mil peças de roupa Old Navy depois, a agência criou um símbolo dos tempos que atravessamos e deu à marca muitas horas de conteúdo com a construção da peça.
Estas iniciativas, selecionadas a partir de algumas escolhas editoriais do TheDrum, são apenas exemplos de como lidar com a incerteza: o que contamos ser certo não é, o que não acreditamos ser possível pode muito bem acontecer. Muito provavelmente, a incerteza é a grande tendência para os próximos tempos. O desafio para as marcas, agências e todos os envolvidos nos processos de comunicação é não ter certezas de nada e humildade para saber questionar quase tudo. O que, como todos sabemos, não é nada fácil.