O estado da Geórgia viu-se legalmente obrigado a uma segunda volta dupla após ambas as suas corridas do Senado não terem produzido um vencedor com mais de metade do voto popular. A eleição de desempate assumiu uma importância nacional, visto que a câmara alta americana pendia para a maioria republicana incumbente por apenas dois lugares. Por esta relevância fora do comum, a campanha tornou-se na mais cara da história das segundas voltas americanas. O voto de dia 5 de janeiro ditou a perda republicana de ambos os lugares, empatando o Senado 50-50, e atribuindo assim ao Partido Democrata o controle desta câmara pela margem mínima – o voto de desempate recai sobre a recém-eleita vice-Presidente. Biden consegue assim conquistar ambas as câmaras pela primeira vez desde a eleição de 2008, o que lhe garante maior liberdade executiva é certo, mas mesmo assim pouco espaço para avançar as propostas vindas das fações democratas mais radicais.
O maior impacto económico desta nova aritmética política deverá sentir-se ao nível de um aumento do programa de estímulo fiscal há muito desejado pelos Democratas. Em dezembro, apenas tinham conseguido negociar uma extensão de 0.9Tri de dólares quando as pretensões iniciais situavam-se acima dos 2Tri, agora com o controle do Senado é provável que esse valor seja atingido ou até ultrapassado. O pacote irá quase de certeza incluir uma majoração dos cheques diretos aos cidadãos dos atuais 600 dólares para os 2000, sendo provável a inclusão de um programa de infraestruturas – onde se incluirá a transição energética muito apoiada pelos Democratas. Do lado da receita, dada a finíssima maioria no Senado, será difícil à Administração Biden aprovar financiar parte do esforço fiscal por via de aumentos significativos de impostos corporativos, pelo que o défice americano deverá subir ainda mais do que está inscrito no programa eleitoral.
A tomada do Senado confirma assim uma já visível transição para uma abordagem mais keynesiana. Os habituais falcões do défice têm-se convertido gradualmente após anos de baixa inflação e ao longo de uma administração Trump muito relaxada em termos de aumento de dívida pública. A própria Reserva Federal já indicou que neste momento é subsidiária à política fiscal, a qual pretende apoiar por via da supressão do custo de dívida e estando disposta a suportar um nível de inflação ligeiramente acima da média para o efeito. Existe uma boa possibilidade desta abordagem ditar o fim do ciclo de desinflação e taxas ultra baixas da última década, porém é crucial notar que os EUA conseguem tomar este risco calculado pois emitem uma moeda de reserva credível e pelo risco de inflação ser neste momento ainda baixo. O momento específico de contração económica provocado pela crise da covid-19 também apoia uma política orçamental expansiva e contra-cíclica, a questão essencial será sempre a de quando deverá ser invertido o estímulo quando a economia recuperar. Começa assim a maior experiência empírica da chamada Modern Monetary Theory.
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