por Filipe Anacoreta Correia
Esta semana foi seguramente das mais dramáticas da história da nossa democracia. Se em Pedrógão vimos o horror do fogo consumir vidas humanas, agora essas fatalidades ganham a dimensão de multidões. Estão a morrer todos os dias já muito mais de 200 pessoas. Desde o início de janeiro morreram 2500 pessoas com covid (quase 10.000 desde o início do surto).
Não é possível olhar a gestão nacional da pandemia sem um reconhecimento profundo de fracasso. E essa é uma dor que, infelizmente, ficará muito cravada no país.
Dificilmente seria possível pior: uma perceção pública de caos, vozes de especialistas desencontradas, rutura do Serviço Nacional de Saúde, medidas aos soluços a cada dois dias. A falta de planeamento elementar evidencia o descontrolo na condução política. De exemplo mundial – o ‘milagre’ –, passámos ao pior caso a apontar.
Se cada vida é irrecuperável, o lastro de destruição desta pandemia vai muito para além dos que morreram com covid. Ficará no país, nos demais doentes que não foram tratados e que morreram ou morrerão prematuramente de outras doenças, na saúde mental e em tudo o que se relaciona com as finanças públicas e atividade económica. Estará em causa muito sofrimento pelo caminho e o esforço correspondente a uma década.
Tudo isto se agravou de modo dramático a dias de umas eleições (Marcelo ainda tentou indagar a possibilidade de adiar, mas ninguém quis). Trata-se do pior contexto possível para atos eleitorais. Acontecimentos súbitos e impactantes desta dimensão e gravemente acelerados a apenas dias de umas eleições podem ter um efeito imprevisto no seu resultado. O país vive uma voragem que altera profundamente todas as nossas emoções.
Haverá muitos eleitores que estarão impedidos ou desaconselhados de votar. E haverá também os que estão zangados e que querendo penalizar a primeira pessoa que lhe aparece à frente, acharão que a abstenção vinga a sua raiva. A que já acresciam tantos outros que brincam com coisas sérias: como a eleição de Marcelo está garantida – dizem –, podem equacionar a sua abstenção ou outras hipóteses inconsequentes que nunca considerariam se assumissem verdadeiramente estar em causa a eleição do Presidente. Teremos a noção de que uma abstenção recorde pode alterar substancialmente os pressupostos de qualquer previsão?
É bom que, quem não está impedido de votar, pense que o que está em causa somos nós. No contexto vulnerável em que nos encontramos, o pior que poderia suceder era sermos empurrados para uma fragilização institucional que em nada ajudaria a encarar os desafios que temos pela frente, incluindo os de natureza governamental. Como a nossa história tem demonstrado é sempre possível piorar mais. E a recente incompetência na condução do voto antecipado, sugerem que para um Governo em crise nada melhor do que contribuir para um presidente coxo.
Para quem considera que uma segunda volta não só não teria interesse nenhum como seria prejudicial, o melhor é mesmo não deixar a decisão para outros. Para que a pandemia não nos assole ainda mais neste domingo.