A presidência portuguesa da União Europeia pediu um estudo sobre o impacto da covid-19 nas mulheres e quer que as conclusões sirvam de base à tomada de decisões políticas e económicas para a recuperação da crise.
“Não há crises neutras do ponto de vista do género e esta certamente não o é. Já sabemos que está a haver muitas diferenças nos impactos entre homens e mulheres”, adiantou a presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), em entrevista à Lusa.
Esse impacto é visível no desemprego, na conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional e nos “riscos” do teletrabalho, concretiza Sandra Ribeiro, antecipando o debate que deverá dominar a reunião do Grupo de Alto Nível para o Mainstreaming de Género, agendada para segunda e terça-feira, no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE).
A reunião deste grupo técnico, de apoio à Comissão Europeia e que serve como rede de partilha do que se passa em cada Estado-membro e de ligação entre diferentes presidências do Conselho da UE, será o momento em que Portugal vai falar das suas prioridades em matéria de igualdade entre mulheres e homens, das quais Sandra Ribeiro destaca duas.
A primeira é realizar um debate “esclarecido e esclarecedor” sobre os impactos socioeconómicos da covid-19 numa perspetiva de género, avaliado por uma pesquisa científica e transparente e “baseado em factos”.
Para tal, Portugal pediu ao Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE, na sigla em inglês) para elaborar uma “nota de pesquisa” sobre o impacto da pandemia na igualdade.
O relatório preliminar vai ser apresentado na reunião do Grupo de Alto Nível, mas a versão final só deverá ser conhecida em março. Será essa que incorporará as conclusões que a presidência portuguesa vai remeter ao Conselho Europeu.
O teletrabalho também será analisado do ponto de vista da igualdade de género. O Conselho Económico e Social Europeu, a pedido da presidência portuguesa, deverá emitir em breve algumas conclusões sobre riscos e oportunidades do teletrabalho.
“Se, por um lado, pode ser muito positivo para a conciliação, também pode ser uma ratoeira brutal para as mulheres voltarem para casa”, alerta Sandra Ribeiro.
A violência doméstica será também objeto de um capítulo específico no quadro do impacto da covid-19 nas mulheres.
“Estamos numa fase de risco enorme de retrocessos na igualdade de género. Será muito difícil não andarmos uns anos para trás quando isto terminar. Por isso, é preciso mesmo estar atento, desde já”, assinala a presidente da CIG, realçando que fazer um estudo em tempo real, sobre o impacto da covid, poderá ter efeitos nas medidas de recuperação da crise que se venham a desenhar e garantir que a perspetiva de género é aplicada “em toda a linha”.
Outra das prioridades da agenda da igualdade da presidência portuguesa é assinalar os dez anos da Convenção de Istambul, documento do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à violência contras as mulheres e à violência doméstica.
A presidência portuguesa assinalará a década com uma conferência de alto nível, no dia 06 de abril, e tentará encontrar consensos “para que os princípios da Convenção possam ser respeitados mesmo que a Convenção, em si, não seja ratificada por todos os Estados-membros” da UE.
Na agenda estão também dois outros temas mais “difíceis”, considera Sandra Ribeiro: o do equilíbrio de género nos conselhos de administração das empresas, através da imposição de quotas, e o da transparência salarial com vista a garantir a igualdade remuneratória.
O primeiro “não tem tido evoluções nas últimas presidências” e conta com a “oposição de vários Estados-membros por diversas razões, algumas de fundo, outras de semântica”, observa.
Sobre o segundo, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, afirmou recentemente que Portugal pretende ver adotado um conjunto de medidas vinculativas em matéria de transparência salarial.
“São dois dossiês complicados, que vamos tentar trazer de novo à discussão”, reafirma Sandra Ribeiro.