Por João Maurício Brás
Em janeiro Portugal regista mais casos diários de covid por milhão de habitantes que o inferno dos EUA e do Brasil. É obra. À pandemia acrescentou-se o pandemónio total.
No tempo de Ceausescu, a avenida principal de Bucareste, que dava acesso ao palácio presidencial parecia moderna e exemplar. Assim surgia nas fotografias, mas muitas das casas eram apenas fachadas. Portugal também é só fachadas. Hoje somos um dos países mais endividados da Europa, a dívida pública tornou-se impagável, somos os mais mal pagos no trabalho, apenas suplantados pela Bulgária. O país é o segundo da Europa onde mais se morre de frio e 20% dos portugueses não têm dinheiro para pagar a eletricidade mais cara da Europa. Em meia dúzia de anos seremos o país mais pobre da União Europeia. Que partidos políticos e nomes nos governaram nas últimas décadas? Sempre os mesmos.
A gestão política da pandemia é apenas mais um capítulo do nosso falhanço como país. Os erros não surpreendem, são um espelho do que somos. Resta-nos a obsessão triste de sermos ‘o caso exemplar’ e o bom aluno’. Sempre tivemos uma obsessão com a modernidade, a Europa e o desenvolvimento. Mas falhamos cada vez melhor. Só no mundo nacional ‘fake’ dos média amansados e do discurso político somos um país de sucesso. Já não vivemos num país real, mas numa teoria sobre o país. Precisamos de quem fale a verdade. Falhámos mas a culpa não é só deles. Ao longo de quatro séculos tornámo-nos passivos, resignados e reativos. Em outro país somos tão bons como os melhores, mas dentro deste país falhado somos invariavelmente maus. A ideia do desenrascanço, por exemplo, é elogiada, mas devia envergonhar, junto com a manha, sempre à custa de um outro. O ‘já os enganámos’ não pode ser motivo de orgulho.
Sempre que se exige rigor e planificação falhamos e o poder, sempre os mesmos, é inimputável. Quando algo precisa de funcionar, não funciona, é tudo navegação à vista, e a inevitável enxurrada de leis a posteriori.
Desde o Natal morreram milhares de pessoas. Consequências? A culpa é sempre do outro.
Escrevo este texto dia 18 de janeiro. Está frio, passo perto de uma escola, os mais novos correm em magotes pelo recreio, os mais velhos, à porta, fumam e namoram. Alguns usam máscaras. Na máquina de vending agrupam-se dez jovens que fumam ganzas. Uma dúvida, porque não fecharam as escolas agora e abriam na Páscoa?
Em 87% dos casos de covid não se conhece a origem dos surtos, mas fecharam-se os barbeiros, o pequeno comércio, os restaurantes, com o apoio da oposição, que costuma também ser poder, aliás esses partidos – PSD e CDS – votaram a favor de medidas que desconheciam.
O vírus ataca uma criança a cortar o cabelo, mas não quando está em grupo na escola ou na rua. O vírus não ataca quem compra fruta no supermercado, mas atacará se alguém comprar um livro nesse estabelecimento. Mas há boas notícias, o vírus não parará a democracia, temos sempre a urna. Sabemos quem vai ganhar (mas existem apenas dois candidatos que são efetivamente diferentes, Mayan e Ventura). Não há mecanismos legais para alterar a data das eleições. A morte, a doença e a miséria que se aguentem.
Devíamos levar a cabo o grande confinamento, o derradeiro. O confinamento de quem falhou totalmente com Portugal nas últimas décadas. Pintemos os lábios e gritemos ‘fascismo’, que parecem ser esses, de facto, os nossos grandes problemas.