Investigadores belgas, em conjunto com peritos espanhóis, italianos e holandeses, foram à fábrica de vacinas contra a covid-19 da AstraZeneca, em Seneffe, perto de Bruxelas, esta quarta-feira. Foram a pedido da Comissão Europeia, para averiguar se doses ali produzidas foram desviadas para o Reino Unido, após a farmacêutica anglo-sueca admitir que apenas conseguiria entregar 25% das 100 milhões de doses prometidas à União Europeia até março – enquanto as fábricas britânicas da AstraZeneca, em Oxford e Staffordshire, funcionam a todo o vapor, garantindo que entregarão atempadamente as 100 milhões de doses compradas pelo Reino Unido.
O episódio surge num momento de alta tensão entre Londres e Bruxelas, com o programa de vacinação britânico a avançar muito mais rápido que o europeu – apesar de terem adquirido praticamente o mesmo número de doses per capita. Mais de dez em cada cem residentes no Reino Unido já receberam uma dose de vacina, enquanto a Europa se mantém abaixo de dois em cada cem, segundo uma análise do Financial Times.
A pressão aumenta sobre os líderes europeus, que vêm a distribuição da vacina a falhar e prevêm escassez pelo menos até abril, avisou esta terça-feira o ministro da Saúde alemão, Jens Spahn. Pouco antes, a farmacêutica americana Pfizer admitiu que ia demorar mais umas semanas que o esperado a entregar as suas vacinas à Europa devido à necessidade de renovar a sua fábrica na bélgica para escalar a produção – estava planeado que a aprovação da vacina da AstraZeneca pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA, em inglês), prevista para sexta-feira, colmatasse essa falha, até que esta farmacêutica se atrasou também.
Em reação, Bruxelas apertou com as farmacêuticas, ameaçando proibir a exportação de todas as doses de vacina produzidas na Europa para fora do bloco. Incluíndo para o Reino Unido, que ficou em risco de perder acesso à produção da fábrica europeia da Pfizer, em Puurs-Sint-Amands, na Bélgica.
O confronto geopolítico parece a concretização do tão temido “nacionalismo da vacina”. Ou seja, a ideia de cada país ou bloco tentar obter o máximo de doses de vacina possível, em detrimento dos vizinhos, uma possibilidade de que especialistas falam há meses.
Contudo, “isto não é uma questão de por a Europa primeiro. É uma questão da Europa ter a sua parte justa”, defendeu Spahn, ao canal alemão ZDF. “Posso compreender que haja problemas de produção, mas isso deve afetar todos da mesma maneira”, justificou o ministro.
Guerra das vacinas Do outro lado do canal da Mancha, os tablóides britânicos, que tanto fizeram pelo Brexit, agora empurram o Governo de Boris Johnson para uma guerra das vacinas com a Comissão Europeia.
“Não, a União Europeia não pode ficar com as nossas vacinas”, lia-se na manchete do Daily Mail. “Espera pela tua vez!”, concordava o Daily Express. Contudo, Johnson tem evitado morder o isco, até agora, talvez temer pôr em causa o acesso à vacina da Pfizer, numa altura em que o Governo britânico é alvo de críticas pela sua gestão da pandemia, que já fez mais de 100 mil mortos no Reino Unido.
Já Bruxelas, que está na mó de baixo da vacinação, puxou da artilharia, invocando poderes excepcionais para interferir na produção de vacinas contra a covid-19, avançou esta quinta-feira o El País. Caso as farmacêuticas continuem a não cumprir com os prazos dos seus contratos, as medidas podem passar por impor o outsourcing da sua produção, ou até obrigar laboratórios a partilhar o seu conhecimento, tornando a propriedade intelectual da vacina livre.