Proibir máscaras comunitárias trazia “vários problemas”

Rutura de stock de máscaras cirúrgicas e “problemas ecológicos” e de custo elevado das FFP2 levam médicos e pneumologistas a refutar as medidas implementadas em França, Alemanha e Áustria. No entanto, a Sociedade Portuguesa de Pneumologia sugeriu máscaras cirúrgicas obrigatórias.

Apesar de em países europeus como França, Alemanha e Áustria já se ter proibido a utilização de máscaras comunitárias de tecido em locais públicos, até mesmo certificadas – devido à variante da covid-19 detetada em Inglaterra, que tem maior transmissibilidade –, médicos e pneumologistas defendem que essa não é a melhor solução para ser adotada em Portugal, tendo em conta que existem “vários problemas” no que respeita à utilização restrita de máscaras cirúrgicas e FFP2 (ou bico-de-pato).

Ao i, o pneumologista Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise covid-19 da Ordem dos Médicos, sublinhou que estar a proibir o uso de máscaras comunitárias certificadas vai provocar uma nova “rutura de stock” de máscaras cirúrgicas, à semelhança do que aconteceu em março do ano passado, quando a covid-19 chegou a Portugal. Por isso, diz, o mais adequado será “aumentar o nível de eficácia das máscaras comunitárias que têm a devida certificação”.

“Temos de usar máscaras comunitárias certificadas com um nível de eficácia igual ao das cirúrgicas. Não podemos ter um lenço à frente da cara. Proibir estas máscaras comunitárias certificadas com filtragem igual à das cirúrgicas não faz sentido, até porque, se assim fosse, entrávamos novamente em rutura de stock. Nós temos é de elevar o grau de qualidade e certificação das máscaras comunitárias. E não podemos esquecer-nos que às máscaras deve ser adicionado um leque de outras medidas. Não é uma medida isolada de proteção”, começou por dizer, adiantando ainda que, no que diz respeito às FFP2, existem também vários obstáculos na sua utilização.

“Essas são mais seguras, mas têm grandes problemas em termos de aderência, por ser muito mais custoso para a pessoa manter a máscara muito tempo na cara. Se formos andar todos de máscara bico-de-pato na rua, uma hora depois ninguém anda com ela. São mais dispendiosas e, sobretudo, fundamentais para as instituições hospitalares darem aos profissionais de saúde em situações de procedimentos geradores de aerossóis. Se forem vulgarizadas, há depois o risco de não estarem disponíveis para onde comprovadamente são necessárias”, revelou.

Saber como usar a máscara Na mesma linha de pensamento, o médico de família Rui Nogueira, ex-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, alertou ao i para o facto de este não ser o momento certo para estarmos a proibir máscaras comunitárias quando ainda nem sequer sabemos proteger-nos corretamente, garantindo igualmente que este tipo de proteção tem vantagens que são importantes para o país.

“Temos de insistir na utilização correta da máscara. Fora do nariz e da boca, no queixo, não dá. Há quem não use bem a máscara, muitas pessoas até. E, às vezes, a comunitária é um pano feito em casa que não vale nada, é só uma coisa a fazer de conta. E isso não dá. Antes do mais, temos de defender o uso correto da máscara e de máscaras certificadas. Além disso, têm de ser substituídas, porque não duram mais do que três ou quatro horas. Qual é a vantagem da máscara comunitária certificada? É que é lavável e, em termos económicos e até ecológicos, tem vantagens. Ou seja, afastar a possibilidade de utilização de máscara comunitária certificada, acho que não faz sentido. A máscara comunitária tem um papel, desde que seja bem usada. É útil”, atirou, realçando também, à semelhança de Filipe Froes, o facto de as máscaras FFP2 assentarem sobre um grande problema: o desperdício.

“Ontem questionaram-me porque é que o primeiro-ministro, António Costa, e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apareceram na televisão com máscaras bico-de-pato (FFP2). Esta máscara é sobreponível em termos de proteção à máscara cirúrgica que, por sua vez, tem maior proteção do que a máscara comunitária. Mas tem um problema ecológico que é estar a desperdiçar máscaras, a deitar para o lixo, porque são muitas e não são reutilizáveis. Não é desprezível, são milhões no nosso país e em qualquer país”, disse.

Rui Nogueira, porém, quis deixar claro que as FFP2 são muito importantes e que faz sentido, por exemplo, usar este tipo de máscara para ir, por exemplo, a um local com muita gente. “Faz sentido usar para se ter uma maior proteção relativamente às máscaras comunitárias. Uma pessoa, quando sai de casa de manhã e chega à noite, tem de levar a sua máscara comunitária e mais duas ou três no bolso porque, ao fim de quatro horas, deixam de ser tão eficazes. E será que isso está a acontecer? De certeza que não. Estar a pensar em obrigar a usar máscaras cirúrgicas ou bico-de-pato sem ainda sabermos usar devidamente uma máscara é porque não estamos a escalar bem o problema”, explicou, acrescentando, no entanto, que “se formos ao supermercado ou em transportes públicos cheios, então aí deve usar-se duas máscaras cirúrgicas sobrepostas. Neste caso, usar as máscaras comunitárias certificadas já é arriscado”, concluiu.

Há quem sugira máscaras cirúrgicas obrigatórias A Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) alertou para a pouca eficácia de muitas máscaras comunitárias, tendo por isso sugerido a utilização de máscaras cirúrgicas obrigatórias em Portugal. A SPP revelou que, em muitos casos, a qualidade das mesmas é impossível de assegurar, podendo, por isso, não terem a eficácia desejada de proteção contra a covid-19.

“Deverá ser considerada a obrigatoriedade de uso de máscaras cirúrgicas, podendo ser considerado, apenas em alternativa, o uso de máscaras comunitárias certificadas pelo CITEVE [Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário] que, cumprindo os critérios de filtração de partículas, respirabilidade e boa adesão à face e nariz, conferem uma proteção comparável”, referiu a SPP.

Além disso, sublinhou ainda que, “nos contextos de maior risco”, nomeadamente os cuidadores de doentes ou famílias com elementos infetados ou situações associadas a maior aerossolização e disseminação de gotículas respiratórias, deverá ser equacionado o uso de máscaras FFP2.

DGS não altera normas para já Apesar das medidas avulsas tomadas por estes países europeus, nem a Organização Mundial da Saúde (OMS) nem a Direção-Geral da Saúde (DGS) modificaram, por enquanto, as orientações no que diz respeito às máscaras. “Se alguma coisa mudar, iremos alterá-las e atualizá-las em conformidade”, disse a responsável técnica pela resposta à covid-19 da OMS, Maria Van Kerkhove, na sexta-feira.