Por Luís Paulino Pereira
Ao constatar o número assustador de novos infetados pela SARS-CoV-2, bem como as vítimas que a pandemia vai fazendo dia após dia, lembro -me da conversa recente com uma doente que, dominada pelo pânico característico do tempo que estamos a viver – e revoltada com certos tipos de comportamento –, afirmava categoricamente: «Não há dúvida, senhor doutor, a culpa é toda das pessoas e por causa de uns pagam os outros».
Tentei acalmar um pouco a sua efervescência, fazendo-a ver que há igualmente fatores que contribuem para agravar o problema; mas ela não alterava a sua maneira de pensar, mantendo o espírito crítico.
Todos sabemos que, em qualquer situação de conflito, é quase inevitável não haver culpados e vítimas. Tem que haver culpados à força, a quem se pedem logo responsabilidades pelo que aconteceu e, se necessário, recorre-se mesmo à Justiça. Somos assim.
Neste caso particular, uns culpam as pessoas, responsabilizando-as pelo seu mau comportamento cívico; outras atiram-se ao Governo, apontando-lhe o dedo pelas falhas na gestão desta pandemia, quer por ser brando demais nas medidas tomadas, quer por não as ter tomado em devido tempo. Há ainda quem procure encontrar explicações no quadro internacional, relacionando tudo o que vai acontecendo no nosso país com aquilo que se passa lá fora.
A culpa tem de vir de algum lado e geralmente é sempre ‘dos outros’. É raro aquele que reconhece os seus erros e os assume frontalmente, por ser sinal de fraqueza, de incompetência, de insegurança, de derrota, que muitas vezes custa a admitir. É melhor sair-se sempre como o vencedor, o primeiro, o maior, o que nunca falha, do que ser apontado pelos outros como o ‘parente pobre’, o ‘derrotado’, o ‘elo mais fraco’.
Mas, perante este cenário de horrores que temos vivido, de quem é afinal a culpa? Do Governo? Das pessoas? De ambos? Eu diria que todos temos culpas e temos também as nossas razões. Vejamos. Não decretou o Governo um confinamento geral? E o que se verifica? O trânsito abrandou? As pessoas estão todas em casa? Cumprem todas as regras definidas ou, pelo contrário, agarram-se às exceções para tentar escapar às diretrizes superiores?
Por outro lado, se estamos perante uma crise sanitária sem precedentes, qual a razão para não mandar fechar as escolas mais cedo, como aconteceu em março do passado ano? E o que dizer deste momento eleitoral? Não faria todo o sentido em tempo de pandemia ter adiado eleições, pelo perigo que poderiam representar para a saúde pública, quando se exigem sacrifícios duríssimos aos portugueses? O que devia contar mais: os ‘impedimentos’ constitucionais difíceis de ultrapassar ou as vidas humanas que se vão perdendo e que os profissionais de saúde tudo fazem para salvar?
Como médico e cidadão, tenho uma palavra a dizer. Temos de cumprir com o que nos é legalmente imposto, mas, acima de tudo, é preciso bom senso para perceber que a recuperação também passa por cada um. É triste que, na rua, continue a ver-se muita gente sem máscara e várias pessoas em grupo; que existam espaços comerciais completamente cheios; que em certas horas os transportes vão a transbordar; que as urgências hospitalares estejam mais do que nunca sobrecarregadas com ‘falsas urgências’, provocando horas e horas de espera; que aos centros de saúde recorram neste período de confinamento muitos utentes sem qualquer justificação para lá irem, impedindo os seus profissionais de se articularem melhor com os do setor hospitalar, a bem dos ‘verdadeiros’ doentes. Como se vê, todos temos ‘culpas no cartório’ – e, ao mesmo tempo, as nossas razões.
De nada adianta ‘atirar a primeira pedra’, quando não há ninguém inocente e em condições de o poder fazer. Vivemos tempos dificílimos, havendo quem diga que o pior ainda está para vir… A gravidade do momento atual exige a colaboração de todos e ninguém deve demitir-se desse dever elementar.
De quem é a culpa? Cada qual terá a sua opinião. Mas, no fundo, a culpa será sempre daqueles que não cumprem a sua obrigação. Por muito que nos custe admiti-lo, esta é a realidade!