Há uma nova tática para combater a pandemia em Hong Kong, onde blocos residenciais inteiros são encerrados em “bloqueios surpresa”. Nenhum dos seus residentes é avisado do que vai acontecer, ou que serão forçados a serem testados à covid-19. Caso recusem, as autoridades estão autorizadas a entrar à força nas residenciais para obrigar a realizar o teste, e ainda terão de pagar uma multa equivalente a cerca de 530€.
Imagens deste processo começaram a ser divulgadas na internet e provocaram controvérsia. Num vídeo publicado no Twitter, é possível observar agentes a correr na rua enquanto utilizam fita cola para impedir a entrada e saída dos habitantes.
Apesar da ansiedade que o procedimento provoca nos cidadãos de Hong Kong, e de especialistas considerarem que tem pouco impacto prático no combate à pandemia, o Governo do território – alinhado com Pequim – defendeu a sua estratégia, garantindo que continuará a utilizar os “bloqueios surpresa”.
Estes bloqueios – a que alguns meios de comunicação locais se referem como “confinamentos de guerrilha” ou “confinamentos de emboscada” – são surpreendentemente duros, mesmo no contexto das medidas draconianas aplicadas por Pequim contra a covid-19.
É verdade que, entre as meras dezenas de casos diários registados nas últimas semanas na China, a maior parte deles foram em Hong Kong. Contudo, até agora, não foram sequer necessários confinamentos tão restritivos como se viu noutros países, como Portugal – em Hong Kong, a importância do uso de máscara e distanciamento social já era clara até antes da pandemia, e autoridades apostaram forte nos rastreamento de casos.
Face ao “bloqueios surpresa”, alguns perguntam-se se a mão dura das autoridades não será uma tentativa de intimidar este território rebelde, onde tantos reclamam por autonomia.
“O próprio termo, ‘confinamentos de emboscada’, soa terrivelmente militar e hostil”, disse o perito em saúde pública da Universidade de Hong Kong e ex-responsável da OMS, Keiji Fukuda, citado pelo site Quartz. “É obrigação do governo explicar o que está a acontecer e porquê e de uma forma que o público consiga compreender”.
O que dizem os habitantes?
Os residentes de um bairro privado em Lam Tin apresentaram opiniões contrastantes sobre os “bloqueios surpresa”. Dividem-se entre aqueles que consideram ser “desnecessários” e os que defendem que se sentem “mais em paz”.
A Sra. Wong queixou-se à Radio Television Hong Kong (RTHK) que ninguém lhe explicou o que deveria fazer, até que alguém lhe arrombou a porta à uma da manhã . “Eles têm os resultados e apenas informam os media. Mas eu sou uma residente e não fui informada de nada”.
Já Kay, que trabalha no balcão de uma loja, queixou-se do quão frustrante e desnecessário foram estes testes. “É muito irritante. Na semana passada já tínhamos testado negativo. Agora, de repente, temos que testar outra vez. Felizmente, não precisava de ir trabalhar, mas muitas pessoas foram prejudicadas”, lamentou, à RTHK.
No entanto, Li, outro habitante do bairro, demonstrou o seu apoio a estes “bloqueios surpresa”, pela capacidade que tem de detetar os infetados que não sabem que tem o vírus. “Ninguém sabe se vai ser encontrado algum caso depois dos testes. Agora, estou mais aliviado”, disse à rádio.
Os bairros que são mais frequentemente alvo dos “bloqueios surpresa” são os mais antigos e densamente povoados, mas as rusgas mas também pode acontecer em lojas, obrigando clientes e empregados a ser testados.
Como saber se o meu bairro vai ser um alvo?
Face ao stresse de poder ser apanhado num bloqueio a qualquer momento, os habitantes tentam prever quando poderão ser um alvo. O jornal South China Morning Post (SCMP) até publicou um artigo onde procura ajudar os cidadãos de Hong Kong a saber se o seu bairro vai ser alvo destes bloqueios.
Existem diversos sinais a que se deve estar atento, por exemplo, o governo referir uma área como alvo de um “surto grave”. Como aconteceu em Jordan, onde as autoridades justificaram o bloqueio desta zona depois de registarem 162 casos positivos em 56 edifícios.
O perito de doenças respiratórias da Universidade Chinesa de Hong Kong e conselheiro do Governo para o combate à pandemia, David Hui Shu-cheong, alertou que, no futuro, estes confinamentos em pequena escala podem ser ativados sempre que uma zona de tamanho similar registar uma média de 40 casos positivos de covid-19. “Isto não é puramente um jogo de números, mas este parece ser o ponto de referência”, disse ao jornal.
O SCMP alerta ainda que das últimas vezes que uma zona foi encerrada para testagem o governo mencionou que foram detetadas “amostras positivas nos esgotos”, encontradas através de um projeto piloto na cidade que monitoriza a presença do vírus nas tubagens sanitárias.
O jornal também alertou que os bairros alvo destas operações tendem a ter edifícios com menos manutenção – provavelmente habitados por pessoas mais pobres – e onde por vezes vivem vários agregados familiares na mesma casa. Como tal, têm “riscos de infeção na comunidade mais elevados”, defendeu o Governo de Hong Kong.
Através dos critérios apresentados pelo SCMP, as próximas zonas a serem alvo de “bloqueios surpresa” podem ser Mong Kok, Hung Hom, Sham Shui Po e (novamente) Jordan.