Por Filipa Moreira da Cruz
Estávamos quase todos à espera do pior. O terceiro confinamento era dado como certo. Nos últimos dias não se falava de outra coisa. O país aguardava o comunicado de Macron, em direto, na televisão. Na sexta-feira houve uma reunião de equipa na minha empresa para preparar as semanas seguintes. Já tínhamos a mente no Skype às 09h00, nos 50 e-mails e no stress de gerir casa, família e trabalho.
O ser humano é masoquista e adora sofrer por antecipação. Acontece muitas vezes. Fazemos planos, pintamos o quadro de negro e ficamos à espera que a desgraça chegue. Quase sempre a realidade não é tão má como temíamos, mas às vezes, é muito pior do que o previsto. Este maldito vírus é a prova mais que evidente do segundo cenário não é ficção.
Surpresa geral! Macron não falou, enviou o primeiro-ministro e este fê-lo dois dias antes do esperado. Cerise sur le gâteau: não haverá terceiro confinamento (por enquanto). A França decidiu ser do contra e não seguiu a tendência dos vizinhos europeus, apesar do número de casos confirmados e de mortes estar muito acima do desejado. O país gaulês prefere adiar o inevitável.
A decisão do Governo francês não foi aplaudida por médicos nem epidemiologistas, mas fez respirar de alívio professores, economistas, pais e todos os que continuam a trabalhar. Ainda assim, as restrições mantêm-se. Os restaurantes, bares e cafés estão fechados há mais de três meses. E a maioria dos hotéis também. O recolher obrigatório, às 18h00, e a impossibilidade de deslocações a mais de 30 km já fazem parte do nosso quotidiano.
Mas será que este semi-confinamento, que parece interminável, é preferível a um mais restrito durante algumas semanas? Tenho dúvidas. Macron jogou pelo seguro. Optou por evitar mais uma prova de resistência. A população está à beira de um ataque de nervos e o Presidente tem medo da reação dos franceses. Não quer uma fotocópia do que se passa nos Países Baixos. Tentar segurar a ira crescente também é uma das suas prioridades. Além disso, a economia nunca deixou de estar na mesa das preocupações. O desemprego aumenta, o layoff é prolongado e a pobreza atinge limites extremos.
Este vírus é tramado. Não dá tréguas. Arrasa tudo e todos. Há uns dias, um engenheiro francês foi despedido e, no mesmo dia, matou a diretora de recursos humanos da empresa onde trabalhava e uma conselheira do centro de emprego. Choque e consternação. O ser humano perde a razão e, perante o abismo, deixa-se levar. Os suicídios multiplicam-se e já ninguém estranha quando o dono de um restaurante ou um patrão de uma pequena empresa decidem acabar com a vida. São as mortes colaterais do vírus. A covid não mata apenas nos hospitais e nos lares.
Infelizmente, a nova normalidade vai durar. A vacinação avança lentamente e os mais frágeis nem sempre são os prioritários. Políticos, ricos e amiguinhos de pessoas que se julgam superiores aos outros, passam à frente de idosos ou doentes de risco. Vale tudo! E são esses que não respeitam as regras os que vêm exigir um esforço acrescido à população que sobrevive com cada vez menos. Fiquem em casa, usem a máscara, aguentem as birrinhas dos vossos filhos e sejam professores a tempo inteiro. Nós já estamos safos.
Psicólogos e psiquiatras não terão mãos a medir durante largos anos. O mais urgente é salvar vidas. Mas a doença não é apenas física. Às vezes, os males da alma são irreparáveis. O vírus está a cozinhar uma bomba em banho-maria e a explosão é inevitável. Só resta saber quando.