O Red Light District, em Amesterdão, nunca deixou ninguém indiferente, e não seria de esperar que a sua relocalização num novo “centro erótico”, nos arredores da cidade, o fizesse. A decisão, anunciada no início deste mês, servirá para fazer um reset no turismo, assegurou Femke Halsema, a primeira mulher presidente da câmara de Amesterdão, que sempre se opôs às montras de prostituição no bairro, que responsabilizou pela “humilhação de mulheres por grandes grupos de turistas”, em entrevista ao Het Parool. É a morte anunciada de um bairro que já estava ameaçado pela gentrificação e pela pandemia, e o descontentamento é notório – em 2019, uma sondagem a trabalhadores sexuais do bairro, conduzida pela Red Light United, um sindicato do setor, indicava que 93% dos inquiridos eram contra uma eventual relocalização.
“Relocalizar estes locais de trabalho não é uma opção, porque os clientes não saberão onde encontrar os trabalhadores do sexo”, alertou na altura uma afiliada do sindicato, apelidada de Foxxy, ao jornal holandês. “Será que Halsema vai organizar viagens de autocarro para Westelijk Havengebied?”, questionou, referindo-se a um bairro no norte de Amesterdão, uma das possíveis localizações do novo “centro erótico”.
A presidente da Câmara de Amesterdão quer limpar a cidade das montras com trabalhadores do sexo, que considera “repulsivas”, mas, para muitos profissionais do setor, estas até são uma fonte de segurança. “As montras tornam o trabalho sexual facilmente visível da rua, e, como tal, mais visível para a polícia, que pode garantir a nossa segurança e combater o tráfico humano”, notou Felicia Anna, uma trabalhadora do sexo romena, presidente da Red Light United. “Um centro erótico torna os trabalhadores do sexo menos visíveis para o mundo exterior, porque tudo acontece dentro do edifício”, explicou à Dazed.
“Prostitutas de montra não querem trabalhar de outra maneira, de todo”, declarou o sindicato liderado por Anna num comunicado recente, alertando que, caso sejam expulsos da área, “os trabalhadores do sexo simplesmente desaparecerão no circuito ilegal”.
“Os planos do conselho municipal não são para o nosso bem, são simplesmente a continuação do Projeto 1012, para nos afastar do caminho”, rematou o Red Light United. Referia-se a um projeto de urbanismo iniciado em 2007, que recebeu o seu nome do código postal do bairro e implicou a compra dos edifícios arrendados por bordéis, levando ao fecho de centenas de montras para as substituir por restaurantes caros e boutiques.
O Projeto 1012 seria declarado um fracasso em 2018, após inúmeros protestos de trabalhadores do sexo. Mas, entretanto, “destruiu completamente” a relação entre trabalhadores sexuais e as autoridades, defendeu Mariska Majoor, uma ativista que em tempos trabalhou nas montras do Red Light District. “Parecia muito óbvio que era uma questão de imobiliário, de comprar terrenos valiosos para pessoas ricas”, avaliou a ativista à Times, o ano passado. “Não tinha nada a ver com tornar a situação melhor para trabalhadores do sexo”.
Contudo, desta vez é improvável que haja tanta resistência. O Red Light District agoniza sob o peso da pandemia de covid-19, privado de boa parte do milhão de turistas que visitavam o bairro por mês, em média. A cidade dificilmente voltará a ser o centro de libertinagem que costumava ser – até os famosos coffee shops, onde o uso recreativo de marijuana de alta qualidade era permitido, passarão a ter restrições a turistas, impostas pela câmara municipal. O receio, como acontece com a prostituição, é que a procura seja transferida para o mercado negro, financiando grupos criminosos.