Espanha quer silenciar rapper que acusou Juan Carlos de ser “tirano bêbado”

Pablo Hásel foi condenado a nove meses de prisão por ter criticado o antigo Rei Juan Carlos e por ser acusado de glorificar grupos terroristas.

O rapper espanhol Pablo Hásel tornou-se o mais recente mártir da liberdade de expressão espanhola depois de ter sido detido, esta terça-feira, por uma dezena de agentes dos Mossos d’Esquadra, a polícia catalã, na reitoria da Universidade de Lérida.

Hásel é acusado de glorificar o terrorismo e de injúrias contra a monarquia através das letras das suas músicas e de tweets que publicou.

O prazo de Hásel para se entregar às autoridades terminou na passada sexta-feira. Assim, as autoridades deslocaram-se até à universidade para deter o rapper, que em 2018 foi condenado a nove meses de prisão.

O músico estava barricado no terceiro andar do edifício, que estava rodeado por 50 apoiantes que atiravam objetos à polícia. Dentro da universidade, Hásel utilizou o Twitter para condenar a sua detenção.

“Vou ser preso dentro de minutos ou horas por ter feito tweets. Literalmente, por explicar a realidade. Amanhã podes ser tu”, escreveu Hásel, cujo nome real é Pablo Rivadulla.

Os polícias removeram cadeiras, caixotes do lixo e outros objetos para conseguirem chegar até ao rapper e levá-lo até à prisão. “Nunca nos farão desistir, apesar da repressão”, disse Hásel, gravado por diversos canais televisivos espanhóis, enquanto era levado pela polícia.

 

Perseguição a rappers

Em 2018, o espanhol foi condenado a dois anos de prisão (que, entretanto, foi reduzida para nove meses) e a pagar uma multa de cerca de 30 mil euros depois de a Audiência Nacional, um tribunal superior para crimes contra a família real, ter considerado que as letras e comentários de Hásel ultrapassavam os limites da liberdade de expressão, acusando-as de serem expressões “de ódios e ataques à honra”.

O tribunal citou o facto de o rapper ter acusado o antigo Rei Juan Carlos de ser um “tirano bêbado” e um “capo da máfia”, de ter elogiado os atos da ETA e de outros grupos terroristas e de ter acusado a polícia nacional e a Guardia Civil de serem “assassinos”, escreveu o Guardian.

O caso motivou manifestações a favor do cantor e a assinatura de um manifesto que exigia a sua libertação e a alteração da lei. “A perseguição a rappers, autores de tweets, jornalistas, bem como de outros representantes da cultura e da arte, por tentarem exercer o seu direito à liberdade de expressão, converteu-se numa constante”, pode ler-se no manifesto que é assinado por personalidades como o ator Javier Bardem ou o realizador Pedro Almodóvar.

“O Estado espanhol passou a encabeçar a lista de países que mais represálias lançaram contra artistas pelo conteúdo das suas canções. Agora, com a detenção de Pablo Hásel, o Estado espanhol está a equiparar-se a países como a Turquia ou Marrocos”, criticaram.

Hásel passa a ser o primeiro músico a ser preso em Espanha pelo conteúdo das suas letras desde o fim da ditadura de Franco, em 1975.

Contudo, não é primeiro a ser condenado pelos tribunais espanhóis. O rapper Valtonyc viu-se obrigado a fugir para a Bélgica, em 2018, depois de um tribunal espanhol o ter condenado a três anos e meio de prisão por ser acusado de glorificar o terrorismo na sua música, ter ameaçado um político e insultado a família real, tornando-se assim o primeiro músico condenado a uma pena de prisão desde o fim da ditadura.

Em 2017, uma estudante espanhola foi condenada a um ano de prisão por ter feito uma piada no Twitter referente a um ataque terrorista de 1973.

A condenação de Hásel aconteceu um dia depois de se saber o resultado das eleições legislativas na Catalunha e, após a divulgação do manifesto de apoio ao rapper, o Governo espanhol comprometeu-se a mudar esta legislação, também conhecida como a “lei da mordaça”, aprovada pelo Governo de Mariano Rajoy em 2015, de forma a alterar a definição dos delitos, de forma que “excessos verbais que se cometam no contexto de manifestações artísticas, culturais ou intelectuais permaneçam à margem do castigo penal”, promete o Executivo PSOE-Unidas Podemos, segundo o El País.