Carnaval

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó, o Carnaval já lá vai.

Este ano ninguém deu por ele! Eu não senti falta nenhuma, pois nunca morri de amores pela folia Carnavalesca. Recordo-me de em criança, não sei bem porquê, a minha mãe mascarar-me de cowboy ano após ano. Não que a roupa fosse sempre a mesma, até porque de ano para ano as crianças crescem imenso. Nem por eu ser um grande fã de cowboys. Também não me parece que a minha mãe fosse fã da famosa serie Bonanza, embora acabasse por fazer sempre referência à mesma enquanto preparava os disfarces. Às vezes sentia-me um híbrido entre Ben Cartwright da série Bonanza, o J.R. da famosa série Dallas.

Os anos foram passando, eu fui crescendo, e a minha mãe (felizmente) esqueceu as coboiadas!

Apesar de não gostar do Carnaval, não ser um grande folião, nem gostar particularmente de me mascarar, os bailes de Carnaval, que se realizavam anualmente na Casa do Povo, são das melhores memórias de adolescente que tenho.

Começavam à sexta-feira e só terminavam na terça-feira de Carnaval. Era como se fosse um contínuo. No sábado e na terça, para além dos bailes à noite, também havia as matinés.

Apesar de termos um país tão pequeno, temos várias tradições de Carnaval. Por sinal, bem diferentes umas das outras. Algumas uma tentativa barata de fazer algo semelhante ao que acontece no Brasil.

Nunca fui ver as matrafonas a Torres Vedras, nem o Carnaval Saloio a Loures, nem o de Loulé, Sesimbra, Ovar, Estarreja, Sines … Nada!

Nunca fui, nem nunca senti vontade de ir (pelos menos até agora).

Existe também o Carnaval de Podence, em que os rapazes saem às ruas vestidos de Caretos. Que divertido!
Está frio! Não quero! Chove! Onde fica o carro? São horas de espera … Tudo tem servido de desculpa.

Confesso que (pelo menos uma vez) gostaria de ir ver os desfiles ao Funchal. Pelo menos o clima é mais ameno! Mas não faço questão de desfilar!

Não gosto do Carnaval. Mas respeito quem goste!

 

Querido neto, nem me fales em Carnaval! Odeio o Carnaval. É um trauma de infância, e esses traumas nunca passam. As minhas velhas tias viviam o ano inteiro (ou quase…) a pensar no Carnaval. (Se fossem brasileiras e pertencessem a alguma escola de samba não seriam mais dedicadas à causa…)

Assim, durante meses enfiavam-se dias e dias nas salas do Museu de Arte Antiga, munidas de papel e lápis, e iam desenhando os fatos das rainhas, princesas, damas da corte que povoavam os quadros. E lá escolhiam a “dama antiga” para aquele Carnaval.

Seguiam-se depois os dias complicados com a Menina Lucinda, que era a costureira lá de casa, e passava dias e dias a costurar para tudo ficar rigorosamente igual ao quadro.

Depois havia ainda o pormenor da cabeleira. Porque, evidentemente, uma dama antiga que se prezasse, não usava cabelo à Beatriz Costa, como eu.

Então lá passávamos mais uns dias numa casa que alugava cabeleiras, num frenesim de tira e põe, e os desenhos sempre nas mãos para escolher a que se aproximasse mais do original.

Quando finalmente chegava a terça-feira de Carnaval lá marchávamos para o Cinema Politeama, que organizava sempre desfiles de criancinhas mascaradas, com a possibilidade de belos prémios aos vencedores. Mesmo, mesmo no fim (o que significava várias horas depois) lá se anunciava o desfile.

E eu — que durante essas horas todas me roía de inveja dos outros miúdos, não mascarados, porque não me podia mexer, nem podia virar a cabeça, nem sequer tinha direito a visita ao bar —, lá subia ao palco, no meio de minhotas, varinas, espanholas, magalas, e por aí fora.

E eu ganhava sempre. Todos os Carnavais.

Durante anos e anos (acho que me mascararam até aos meus 9 anos) as minhas velhas tias nunca pagaram para ir ao cinema.

Se isto não se chama exploração do trabalho infantil…não sei que outro nome lhe hei-de chamar.

Odeio o Carnaval!

Tenho dito.