por Judite de Sousa
Nem todos somos iguais. Nem todos temos acesso às mesmas oportunidades. Nem todos realizamos os sonhos que acompanham as nossas vidas. Somos resultado de milénios da evolução genética e ambiental da nossa espécie. Se há algo que temos em comum é a luta pela sobrevivência que nos fez avançar e obter resultados que nos deixam espantados pela nossa capacidade de criar, gerir expectativas e superarmo-nos em ambientes hostis, combatendo muitas vezes o que sentimos ser o abismo. Só numa percentagem muito pequena é que podemos dizer com propriedade que controlamos as nossas vidas. O destino é inatingível já que as forças do amanhã são imprevisíveis. Nascemos frágeis. A configuração do nosso crescimento obriga-nos a adquirirmos forças que, por vezes, nos deixam maravilhados perante as pedras que vamos encontrando pelo caminho.
Vem esta reflexão a propósito das desigualdades que a pandemia expôs num mundo global mas onde existem tantas diferenças no acesso a tudo aquilo que temos como certo no nosso estilo de vida ocidental.
A covid-19 veio modificar comportamentos, rotinas, levar-nos a valorizar pequenas coisas que tínhamos como adquiridas, a entendermos de uma outra forma os que nos cercam. O sentimento de proximidade adquiriu outra dimensão, não física mas emocional. A comunicação à distância tornou-se mais intensa e necessária como forma de não perdermos a nossa humanidade na comunhão de sentimentos. A pandemia trouxe um outro olhar sobre a solidão que é um dos problemas mais gritantes da sociedade individualista de massas que caracteriza a contemporaneidade. Quando nos dizem estamos juntos estas duas palavras comovem-nos mas deixam simultaneamente uma sensação de vazio existencial. Nós e os outros como dizia Jean-Paul Sartre sobre a condição de existir como basilar da condição humana.
Entre a vida e a morte, há espaços muito curtos. É uma espécie de território escuro e obscuro que nos desafia a revisitar o passado, sem que o possamos reconstruir à luz das experiências do presente e de um futuro que mais não é do que um imenso ponto de interrogação. Mesmo os mais sábios têm dificuldades em decifrar os mistérios da vida. Ajudam-nos com as suas reflexões mas não preenchem os vazios que carregamos na alma.
Esta peste do século XXI expõe a nossa vulnerabilidade mas nada que se compare ao sofrimento que sabemos existir noutras latitudes. A revista The Economist revelava há duas semanas o impacto catastrófico nos países da África subsaariana da pandemia. Há regiões onde as vacinas só vão chegar em 2024. A regressão de economias que iam dando sinais de vitalidade levará anos a recuperar. A história repete-se. Em todas as crises, os mais fracos são os que mais sofrem. Assim é. Como sempre.