O caso de José Penedos arrisca terminar no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). A defesa do antigo secretário de Estado da Energia e ex-líder da REN, condenado no processo Face Oculta, continua a alegar que a «delicada e grave situação de saúde» de José Penedos não permite que o mesmo se mantenha detido no Estabelecimento Prisional da Carregueira e exige a imediata alteração da execução da pena para prisão domiciliária.
Face ao silêncio da Justiça perante os sucessivos requerimentos apresentados, a defesa de José Penedos pondera agora avançar com uma queixa contra o Estado português no TEDH, sediado em Estrasburgo, França, apurou o Nascer do SOL.
Depois de vários avanços e recuos, o último pedido formal apresentado pela defesa, a que o nosso jornal teve acesso, está agora nas mãos do Tribunal de Execução das Penas (TEP) de Lisboa. No requerimento assinado pelo advogado Rui Patrício, que representa José Penedos, a detenção é descrita como «verdadeiramente desumana e degradante». «A sua situação de saúde e de dependência de terceiros, total, para atividades da vida diária, torna insustentável a manutenção em ambiente prisional», lê-se na argumentação. O Nascer do SOL contactou o advogado Rui Patrício que, no entanto, não quis fazer qualquer comentário sobre o processo em curso.
José Penedos, 75 anos (cumpre 76 em outubro), entregou-se no passado dia 15 de dezembro no Estabelecimento Prisional de Coimbra para cumprir uma pena de prisão efetiva de três anos e três meses à qual foi condenado pela prática de dois crimes de corrupção e um crime de participação económica em negócio no processo Face Oculta – apenas uma semana depois de o seu filho, Paulo Penedos, outro dos condenados neste processo, se ter apresentado na mesma cadeia (neste caso para cumprir uma pena de prisão efetiva de quatro anos por um crime de tráfico de influência).
Entretanto, a incidência de episódios de covid-19 no Estabelecimento Prisional de Coimbra levou a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a decidir-se, no final de dezembro, pela transferência de José e Paulo Penedos. E embora pai e filho tenham ficado juntos, a verdade é que as autoridades optaram por levá-los para a Carregueira, e não para o Hospital Prisional de São João de Deus, em Caxias, como normalmente acontece em casos semelhantes ao descrito pela defesa de José Penedos.
‘Atualmente, nem sequer tem consciência de que está preso’
«Neste momento, o José Penedos não consegue andar, não consegue alimentar-se sozinho, e está incontinente. Depende totalmente do apoio do seu filho. O José e o Paulo Penedos estão numa cela com mais seis pessoas e esta situação é difícil para todos. Atualmente, o José Penedos nem sequer tem consciência de que está preso. Pergunta constantemente ao seu filho quando é que vai sair daquele hospital». O relato é de Carlos Domingos, advogado da família, que nos últimos dois meses tem vindo a acompanhar de perto o dia-a-dia de José Penedos.
Tem sido, aliás, o próprio Carlos Domingos que, desde o início do ano, após a chegada de José e Paulo Penedos à Carregueira, se tem deslocado «pelo menos três vezes por semana» àquele estabelecimento prisional para levar fraldas e mudas de roupa limpa que possam servir ao antigo membro do Governo de António Guterres. De regresso a casa, o advogado costuma trazer consigo sacos de roupa suja que ultrapassa as 50 peças que os reclusos podem, por regra, enviar semanalmente para a lavandaria da prisão.
«José Penedos não pode cumprir pena de prisão desta maneira. Já lhe foi diagnosticado um quadro clínico de demência e a situação veio a agravar-se significativamente ao longo dos últimos meses, sobretudo desde meados do ano passado, após o falecimento da sua esposa», conta Carlos Domingos ao nosso jornal.
Fonte fala de ‘um vazio legal’ para evitar situações idênticas
A defesa de José Penedos tentou, por várias vias, alterar a execução da pena para prisão domiciliária antes mesmo da sua entrada na cadeia de Coimbra.
Recorde-se que, a 5 de dezembro, a juíza do Tribunal de Aveiro Isabel Ferreira de Castro ordenou a emissão de mandados de condução dos condenados José Penedos, Paulo Penedos e Domingos Paiva Nunes (primo do ex-primeiro-ministro José Sócrates e condenado a uma pena de três anos e seis meses pelo crime de corrupção) ao estabelecimento prisional, após considerar que os recursos pendentes no Tribunal Constitucional não tinham, à época, efeito suspensivo – uma decisão que surgiu apenas um ano depois de os respetivos acórdãos condenatórios terem transitado em julgado.
O advogado Rui Patrício defendeu imediatamente, junto da juíza, a suspensão do mandado, mas os seus argumentos acabaram por não ser atendidos.
Logo a 7 de dezembro – data da entrada do filho, Paulo Penedos, na cadeia de Coimbra –, o advogado de José Penedos apresentou um pedido de indulto dirigido à ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, mas, também nesta ocasião, o Ministério da Justiça não atendeu as pretensões da defesa, remetendo o processo para o TEP de Lisboa «para se proceder à respetiva instrução».
Poucos dias depois, a 11 de dezembro, numa derradeira tentativa, Rui Patrício fez chegar duas petições aos TEP de Coimbra e Lisboa pedindo que os mesmos se considerassem competentes para modificarem a execução da pena para domiciliária antes da entrada de José Penedos na cadeia. O causídico alegou o artigo 118.º do Código de Execução de Penas, que defende os arguidos com idade avançada e problemas graves de saúde por razões humanitárias. A defesa, porém, não obteve despacho, uma vez que, por lei, os TEP apenas podem pronunciar-se sobre uma alteração da medida penal após o início efetivo da prisão.
Fonte próxima do processo considera que «existe um vazio legal entre a sentença e a execução da pena» que pode explicar este caso. «Isto, na prática, dá o seguinte resultado: estás muito mal, é desumano e degradante ter-te na prisão, e até podes morrer, mas como a lei não diz expressamente de quem é a competência entre o momento da sentença e o momento da prisão, primeiro entras na prisão e, depois, o TEP logo decide… se entretanto não tiveres morrido», disse a mesma fonte a este semanário.
Transferência de Coimbra para a Carregueira ‘travou’ decisão
A partir daqui, o processo de José Penedos acabou por ser vítima das circunstâncias. Por um lado. o requerimento seguinte, apresentado ao TEP de Coimbra, acabou sujeito aos constrangimentos imprevistos nos serviços provocados pela pandemia, o que acabou por atrasar as diligências das autoridades tendo em vista a avaliação da saúde de José Penedos; por outro, a transferência do detido para a Carregueira, no dia 29 de dezembro, levou o TEP de Coimbra a declarar-se incompetente em termos territoriais e a enviar o processo para o TEP de Lisboa, voltando tudo à estaca zero.
O Nascer do SOL questionou o TEP de Lisboa sobre o ponto de situação do processo mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta. O nosso jornal sabe, porém, que nas últimas horas foram feitas diligências para que este processo seja acelerado e possa ser tomada, muito em breve, uma decisão em relação à situação atual do antigo secretário de Estado e ex-presidente da REN.
Dos dez arguidos do processo Face Oculta condenados em 2014 a prisão efetiva, apenas seis estão, neste momento, a cumprir pena. Além dos já referidos José Penedos, Paulo Penedos e Paiva Nunes, encontram-se igualmente detidos Armando Vara (condenado a cinco anos de prisão), Manuel Guiomar (seis anos e seis meses) e João Manuel Tavares (cinco anos e nove meses). Manuel Godinho, o principal arguido do processo, condenado a 12 anos de prisão após vários recursos e a prescrição de alguns crimes, continua em liberdade a aguardar a decisão de um recurso para o Tribunal Constitucional.