Um novo projeto de urbanismo fez estalar a polémica na cidade de Viseu: a intenção, por parte da Câmara Municipal, de instalar de uma cobertura metálica na Praça 2 de Maio levou vários arquitetos e figuras da cidade a insurgir-se. Uma petição pública para travar o projeto conta com signatários ilustres, como Eduardo Souto Moura, Simonetta Luz Afonso, João Luís Carrilho da Graça, Manuel Aires Mateus, Dalila Rodrigues, Pedro Santos Guerreiro e Francisco Keil Amaral.
Em causa está um «atentado patrimonial e urbanístico», como se pode ler na carta. Os signatários do documento consideram que a cobertura não respeita a requalificação da praça, levada a cabo na década de 1990 pelos arquitetos Álvaro Siza Vieira e António Madureira. Falam de «desacerto e profunda dissonância com o lugar e com a envolvente» e declaram que os «imperativos de revitalização do centro da cidade de Viseu» não «podem afetar de modo lesivo existências arquitetónicas e componentes patrimoniais».
Sublinham o «desrespeito» pelo trabalho de Siza Vieira e António Madureira, que dizem terem sido excluídos deste projeto. Contactada pelo Nascer do SOL, a Câmara Municipal de Viseu garante no entanto que «o arquiteto Siza Vieira foi envolvido no processo, tendo assinado uma declaração onde expressa que ‘autoriza a utilização dos desenhos disponibilizados à Viseu Novo SRU […] no âmbito do processo do concurso público de conceção para revitalização da Praça 2 de Maio de Viseu’», e que teve «a participação ativa, em todas as fases do processo, da Ordem dos Arquitetos, que aliás colocou como condição imperativa o envolvimento do arquiteto Siza Vieira, o que veio a acontecer como atrás foi referido». A Câmara defende ainda que «a intervenção em curso respeita a integridade e demais características arquitetónicas do conjunto edificado existente».
A carta dos opositores, porém, considera que o concurso público já estava inquinado, dado que o projeto, por ser «incompreensivelmente impositivo e determinar, a priori, a solução a adotar», acabou por eliminar «quaisquer possibilidades de intervenção e revitalização distintas, adequadas e qualificadas».
Finalmente, os signatários colocam em causa o investimento, achando ser «um dever de cidadania denunciar que mais de 4 milhões de euros do erário público sejam gastos numa obra profundamente atentatória do património da cidade».
Em resposta, a Câmara de Viseu defendeu que o investimento terá «um retorno a 10 anos», esclarecendo ainda que foi apoiado por fundos comunitários. Ao mesmo tempo, a instalação de «painéis de vidro fotovoltaicos inovadores para produção de energia para o próprio espaço e edifícios adjacentes», poderá dar retorno ao investimento.
Ao Nascer do SOL, Dalila Rodrigues, natural de Viseu, diretora do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém, e signatária desta carta aberta, explica que a cobertura metálica sobre a praça constitui «um atentado patrimonial, uma barbaridade, como diz o arquiteto Álvaro Siza». Acrescenta ainda que «o recinto é parcialmente ocupado por magnólias, e as árvores ficarão sob a cobertura, que, por sua vez, terá painéis fotovoltaicos». A viseense não poupa nas farpas ao projeto, defendendo que «as praças das cidades não são pavilhões multiusos ou shoppings, e a cobertura que está prevista transforma a Praça 2 de Maio numa gigantesca e interminável paragem de autocarro, numa estufa ou num shopping mall».
Dalila Rodrigues admite que, embora respeitasse o lugar, o projeto de requalificação de Siza e Madureira tinha erros funcionais que precisavam de ser resolvidos. Por isso, a antiga presidência da autarquia terá pedido aos arquitetos soluções, como coberturas parciais.
Dalila Rodrigues garante que «o atual autarca decidiu ignorar o que pré-existia e promoveu esta solução», o que a levou a reunir com o presidente da Câmara, em 2015. Uma reunião pouco frutuosa. «O presidente da Câmara recebeu-me mas não me ouviu», lamenta. E remata: «Com a eclosão da crise pandémica e as brutais consequências económicas e sociais que se fazem sentir, e que certamente se ampliarão, parece-me grotesco que a Câmara Municipal de Viseu não redefina prioridades».
A autarquia desvaloriza a polémica, lembrando que «o Mercado 2 de Maio nunca foi uma estrutura estática». O objetivo do projeto, defende a autarquia, passa pela criação de uma «praça de restauração e eventos no coração do Centro Histórico, que possa ser frequentada por todos os cidadãos, com animação cultural e de promoção dos produtos tradicionais».
A Câmara estranha também o timing da carta aberta, referindo que «após 7 anos do início da discussão pública, e após o arranque dos trabalhos em janeiro deste ano, os pontos levantados pelos signatários da referida ‘Carta Aberta’ surgem, no mínimo, com atraso significativo». Mas garante manter-se «disponível para receber a carta aberta e ouvir os seus promotores, como sempre fez ao longo de todo o processo».