Está quase a fazer um ano que a nossa vida mudou como jamais imaginaríamos. Olhando para trás, o primeiro confinamento parece-me um lugar longínquo. Alguns meses depois perguntava-me como tínhamos conseguido passar meio ano em casa com cinco crianças. E eis que, de repente, vemo-nos na mesma situação.
Alguns amigos e colegas desabafam: «O primeiro confinamento até teve piada, mas agora já chega». «Já não consigo ouvir as vozes das minhas filhas» ou «Não vejo o dia em que as escolas vão abrir». Da minha parte todos os dias sinto que parece que não tenho tempo para respirar. E lembro-me de ter sentido exatamente o mesmo no ano passado. Às vezes parece que estou numa corrida desenfreada com a casa às costas desde que me levanto: vestir todos, dar o pequeno-almoço, pôr os mais velhos no Zoom, empurrá-los para o computador quando querem desistir, tirar o bebé aos gritos de ao pé deles, ao mesmo tempo que ponho as máquinas a lavar, brinco com os mais novos, faço o almoço, ajudo-os a fazer os trabalhos, pôr a mesa, arrumar a cozinha, almoçar entre a conjugação do intervalo de quatro horários diferentes e assim por diante.
Apesar de tudo, curiosamente, a parte mais complicada do dia é quando o bebé está a dormir a sesta. O irmão a seguir adora correr pela casa enquanto grita alegremente e atira coisas pelo ar, o do meio está em aulas e fala tão alto que é capaz de acordar todos os bebés da rua, o a seguir, apesar de ser o mais responsável na escola, em casa precisa de um tanque de guerra para o manter nas aulas e fazer os trabalhos. Só o mais velho me dá descanso nesta altura, mas para isso é preciso que esteja no seu quarto no Zoom ou com o telefone na mão. Arranjar um sítio onde todos consigam ter aulas com internet, alguma privacidade e longe do quarto do bebé é outro quebra-cabeças, até porque o meu marido também está em teletrabalho desde que se levanta até à hora em que eles se deitam, interrompendo só para almoçar….
O confinamento não é fácil para ninguém. Não é fácil para quem está a cuidar dos filhos, que vivem e comportam-se num registo muito diferente do nosso, o que a tempo inteiro pode ser muito cansativo. Não é fácil para quem está em teletrabalho porque não se consegue concentrar no meio da confusão e solicitações e neste registo acaba por trabalhar muito mais e em piores condições do que fora de casa. Praticamente impossível para quem conjuga as duas funções. E muito exigente também para os filhos, seja de que idade forem. Nenhum dos meus filhos quer que o confinamento acabe. Adoram estar em casa. Mas sinto que não se apercebem de como isso os condiciona, o que se nota bem quando saímos, nem que seja para irmos pôr o lixo e correm pela rua desvairados como se lhes tivesse aberto a portinhola da gaiola fechada desde sempre.
Não é fácil para ninguém. Mas, tal como eles, não vou entrar em desespero por as escolas estarem fechadas. Acredito que será a última vez nestes moldes – como acreditei também no ano passado, mas continuo otimista – e que este é um tempo único para estarmos em família, por mais difícil e cansativo que às vezes seja. Daqui a uns anos sei que o vou recordar com saudade. Até os disparates vão ter imensa piada. E é também, nesta memória do futuro, que vou aproveitando o que este tempo tem de bom enquanto levo a casa às costas, apesar de tudo, com alguma serenidade.