por Pedro Antunes
Estes últimos dias têm sido pródigos em “notícias” de cancelamento de coisas. Imensas pessoas, algumas que apenas estão a fazer a sua função de provocadores profissionais, outras deputados que deviam ter mais juízo, a exigir o cancelamento de “coisas”. É um histerismo inútil sobre factos históricos contra os quais nada mais se pode fazer exceto compreendê-los no seu contexto histórico (recente da guerra colonial, ou distante da escravatura).
Noutros momentos, aos pedidos de cancelamento, chamar-se-ia “revisionismo histórico” digno de um romance distópico de George Orwell, ou do fácil Photoshop de Stalin. Começa já a ser habitual, pessoas com pouca noção da importância da história e com ainda menos noção das prioridades de um país com crescente dívida, miséria, decrescente economia e liberdade, pedir o cancelamento de coisas que hoje têm significados pouca ou nenhuma relevância no dia-a-dia do cidadão comum.
Duvido que, salvo um ou outro ultranacionalista, olhe para o Padrão dos Descobrimentos e veja nesse monumento um símbolo ao fascismo (ou sequer que o visite mais do que uma vez de tão fraco que é enquanto monumento). A maioria olhará para esse monumento como um marco de um período histórico, ou uma boa foto de postal, como olha para os Jerónimos e ignora todo o mal que se fez para o construir, seja trabalho forçado, sejam impostos desmedidos.
Na mesma medida, só alguém com total falta de noção do que foi e é a história do esclavagismo, é que fala em “matar o homem branco” ou o cancelamento do homem branco… mesmo quando o diz como uma metáfora incrivelmente mal conseguida. Diria mesmo que é ofensivo este foco ultrapassado, 260 anos depois do fim da escravatura em Portugal, para com os povos que actualmente ainda sofrem com isso. Para eles não há cancelamento de uma realidade demasiado actual.
Mas não sou senão uma pessoa que gosta de ver oportunidades e proactivamente proponho uma troca: Aceito demolir o Padrão dos Descobrimentos (1940), cerimónia anti-Salazarismo e incluída, em troca do cancelamento da TAP (1945), outra “obra” do Salazarismo. Parece-me um trade-off de 4 mil milhões (serão mais) com o qual consigo viver bem.
Outro assunto com ténues ligações históricas, e por alguns igualmente histéricas, é o recorrente sebastianismo político. Temos um partido recente cujo líder se considera a mensagem de Deus na Terra, que vai levar Portugal ao seu destino. Entre este delírio e um diagnóstico de esquizofrenia a distância não deve estar longe.
O interessante é que muita da gente que concordará com a afirmação anterior padece de uma forma considerada mais tolerada, do mesmo problema.
Olhemos o CDS. Uma liderança de Adolfo Mesquita Nunes, pessoa pela qual tenho bastante simpatia, é a versão de sebastianismo deste partido. É algo bacoco e infantil, dado que o próprio deixou passar a oportunidade em 2019, ou simplesmente não tinha nos seus planos liderar o partido. Apesar disso a ala liberal do CDS continua com esse desejo, como se uma única pessoa fosse salvar o partido.
O PSD e o Bloco de esquerda sofrem pelo mesmo Sebastião, apesar de terem razões diferentes.
O Bloco quer o regresso do arqui-inimigo, o vilão neoliberal que Passos nunca foi. É mais fácil mandar bocas pouco razoáveis ou justificadas para o ar, quando do outro lado têm uma caricatura mal feita de um Primeiro Ministro social-democrata (que a Catarina e a Marisa agora também são, não é verdade?).
Ainda mais sofrem os Sociais Democratas. É verdade que Rui Rio tem sido um péssimo líder, e que Pedro Passos Coelho só foi um Primeiro Ministro controverso fora da PaF. Governou condicionado o período recente mais complicado de governar. Apesar disso ganhou o respeito de pessoas que nem concordavam muito como ele, como eu. Teve algumas posições corajosas, mesmo que muito mal comunicadas, que criaram uma narrativa quase mitológica. Pedro Passos Coelho deixou de ser um homem para ser quase uma ideia… O PSD espera agora a queda de Rui Rio para que este possa ser substituído por uma versão 2.0 de Pedro Passos Coelho. Seria sempre um upgrade, está fadado à desilusão. Caso não volte a liderar o PSD, metade dos seus militantes continuará a sentir-se órfã e começará a olhar para outros partidos. Caso volte nunca corresponderá à mitologia estabelecida.
São estes os problemas mais prementes em Portugal, em 2021, ainda num período pandémico e com uma crise económica já entre nós?
Não, mas é muito mais fácil andar a discutir estes tópicos do que enfrentar os problemas. Interpretando as palavras de João Cotrim Figueiredo, a grande vantagem da Iniciativa Liberal é tentar não criar estas mitologias e narrativas. Querer um crescimento sustentável e focar-se naquilo que melhora a vida dos portugueses. Sem infantilidades revisionistas, sem onirismos ideológicos e, acima de tudo, sem heróis ou sebastianismos.