por Filipa Moreira da Cruz
Todos os anos, a 21 de fevereiro, celebra-se o Dia Internacional da Língua Materna. Esta data foi aprovada pela Assembleia Nacional das Nações Unidas em 2002, embora tenha sido anunciada, pela primeira vez, em 1999, em homenagem ao Paquistão. Este país foi criado em 1947 e, na altura, o Governo decidiu que o urdu seria a língua oficial, sem ter em conta a extensa população que falava bengali. As manifestações foram sangrentas e juntam-se à lista de tantas outras que mancharam de sangue a história do Paquistão. Centenas de pessoas sacrificaram as suas vidas em nome da sua língua materna.
Cabe à Unesco promover e difundir o respeito por todas as línguas. Este organismo defende que a diversidade linguística e cultural não pode ser dissociada da história da nação. A língua materna faz parte da identidade de cada povo e proteger a identidade também é uma questão crucial no âmbito dos direitos humanos. De acordo com relatórios recentes, 40% da população mundial não tem acesso à educação no idioma que fala ou entende melhor.
A língua é muito mais do que um aglomerado de letras que dão origem a palavras que fazem sentido. As frases tomam forma, os relatos ganham vida, até mesmo para aqueles que não sabem ler nem escrever. A língua é viva, acompanha os tempos, ganha asas. E a materna é rica em afetos, tradições, lendas e fábulas. Passa de geração em geração graças à família, aos amigos, aos vizinhos. Tem sido assim desde a pré-história, muito antes do nascimento da escrita.
Sou fluente em cinco idiomas (e consigo expressar-me minimamente num outro) por necessidade e, sobretudo, por prazer. Comunicar faz parte do meu ADN e cada vez que mudo de país adapto-me à sua língua materna. Faz parte da integração expressar-se, o melhor possível, na língua do país onde decidimos viver. Confesso que tenho facilidade em passar de um idioma para outro, mas nunca me esqueço de que o português é a minha língua materna e penso que nenhuma outra soa tão bem como a nossa.
Os meus filhos nasceram em Paris e têm nacionalidade francesa; no entanto, as primeiras palavras que disseram foram portuguesas. Optei por falar com eles sempre em português. São bilingues desde que nasceram e, em Espanha, comunicavam em três línguas sem qualquer problema. Na escola aprendem inglês e, no próximo ano letivo, o meu filho vai estudar espanhol. Tem pena que não haja a opção de português.
Fazer um esforço para comunicar numa língua que não é a nossa num país estrangeiro não significa aniquilar a língua materna. Infelizmente, é isso que ainda fazem algumas nações chauvinistas. Muitos portugueses, italianos e espanhóis que emigraram para França deixaram de falar no seu idioma com medo de serem ostracizados. Ainda há pouco tempo, um colega de escola da minha filha disse-me, num tom autoritário, que em França fala-se francês. A criança tem nove anos e não sabe que, durante muito tempo, na região onde vivemos, a Bretanha, muitos comunicavam apenas no dialeto local, recusando-se mesmo a aprender a língua de Molière.
Até agora, foi em Espanha que senti um maior respeito pela diversidade linguística. O país adotou o castelhano como idioma oficial, mas várias regiões viram as suas línguas adquirirem o estatuto de cooficiais, entre as quais o catalão, o valenciano, o galego e o euskera. Vivi um ano no País Basco e aprendi o idioma local à custa de muito esforço e perseverança. O euskera é uma das línguas mais antigas do mundo e não se assemelha a nenhuma outra. Tem um caráter próprio e os bascos fazem questão de mantê-la viva. Tiro-lhes o chapéu por saberem fazê-lo com arte, maestria e humor.
Respeito todas as línguas e talvez me lance na aprendizagem de uma sétima, por gosto. No entanto, assumo, sem pudor, que em nenhuma outra encontro palavras tão bonitas como mãe e saudade. Até (a) geringonça tem a sua graça. Refiro-me à palavra, claro!