por António Rosas
Ainda 2021 era uma criança, quando no meio do mês de janeiro, o país acordou incrédulo com a notícia de que um juiz do Ministério Público teria determinado à Polícia de Segurança Pública a vigilância de jornalistas, indo, dessa forma, além dos poderes que lhe foram concedidos e do famoso artigo 38 que salvaguarda a liberdade de imprensa.
A República entrou no novo ano incrédula, mas leiga na crença de que o sismo que havia sofrido não teria réplicas. No entanto, foi a 3 de fevereiro que saíram as primeiras notícias que davam conta do relatório que a renomada revista “The economist” publicou, no qual retirava a Portugal o estatuto de país totalmente democrático.
Mesmo assim, a ressaca destas duas derrotas coletivas foi o timing escolhido por um grupo de cidadãos para redigir e subscrever uma carta aberta que pedia moderação e respeitinho ao jornalismo televisivo generalista.
O jornalista da BBC, George Orwell ,disse-nos que: “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.” Já o nosso grupo de subscritores brindou-nos, no decorrer da carta, com pérolas como: “assinalamos a excessiva duração dos telejornais” ou ainda: “não aceitamos a obsessão opinativa”, terminando com um “exigimos uma informação que respeite os princípios éticos, solidariedade e contenção”. Para os que acham que isto não passa de um conjunto de frases tiradas do contexto, recomendo vivamente a leitura da carta, acima de tudo porque precisamos mais do que nunca de algo que nos alegre e nos faça dar umas gargalhadas.
O leque de subscritores é eclético, vai desde jornalistas e professores a gurus revolucionários.
Os canhões estão na sua maioria apontados para a forma como os telejornais têm mostrado ao país a nova realidade pandémica. Os nossos subscritores acham, portanto, inaceitável que se filmem os hospitais, se transmitam todos os constrangimentos e dificuldades vividas pelas pessoas no interior destas instituições, classificando até a divulgação do número de mortes como “ladainha”.
Fico sem entender a crítica, porque até onde sei, nenhum dos hospitais é um estúdio de ficção e nenhuma televisão fez algo para além da transmissão daquilo que é a realidade vivida, cumprindo assim com o papel de conscientização dos telespectadores, sabendo que o apelo mais eficaz à colaboração de todos é a demonstração da gravidade da situação.
Não sei qual é a solução que redator desta carta apresenta, mas só me passa pela cabeça um futuro pós-apocalíptico em que os telejornais serão apresentados ao estilo de teatro de revista e, claro, com uma duração máxima de 10 minutos.
Desengane-se quem acha que o puxão de orelhas foi apenas dirigido aos canais privados. Isto porque o nosso barómetro de qualidade jornalística foi implacável com a estação pública, considerando até que no caso da RTP, a demonstração do mundo real é um ato ainda mais ousado e inadmissível. Ora, a RTP é uma empresa pública e como qualquer empresa pública, o seu objetivo é servir o público, e já lá vão os tempos em que a função da mesma era servir quem estava no poder.
Todo este movimento foi alegadamente pensado com o objetivo de poupar as pessoas ao “pânico” que os telejornais lhes causam, o que por si só constitui um atestado de incapacidade generalizado à população que, à luz desta carta, se demonstra intelectualmente vulnerável e incapaz de filtrar a informação que lhe chega.
Enfim, chego a perguntar-me se estes subscritores refletiram mesmo sobre aquilo que subscreveram.
Na minha visão, a carta não passa de uma ofensa aos jornalistas, às emissoras de televisão e à democracia. Representa o oposto daquilo em que eu acredito e da forma como vejo a cidadania.
Por fim, assino este artigo solitário, mas, acima de tudo, certo que precisamos mais de uma imprensa livre do que de uma elite pensante num Portugal onde o lápis azul não cabe mais.