Na Espanha pós-bipartidarismo, com um espetro político fragmentado, obrigando a alianças desconfortáveis e frágeis, tudo pode mudar numa jogada. Quando o Ciudadanos decidiu avançar com uma moção de censura contra os seu parceiro do Governo regional de Murcia, o Partido Popular (PP), ao lado dos socialistas, não sonhava que isso levaria a uma reorganização da direita espanhola. Esta semana, aquilo que era uma querela numa pequena comunidade autónoma no sudeste de Espanha, por denúncias de corrupção numa câmara municipal, transformou-se numa guerra aberta, pondo em risco outros Governos regionais, levando até à queda do Executivo de Madrid, cuja líder, Isabel Díaz Ayuso, do PP, aproveitou para romper com as anteriores orientações do líder do partido, Pablo Casado – ambos viram a “traição” do Ciudadanos como imperdoável, carregando no “botão nuclear”, segundo El País.
Após as legislativas de 2019, Casado ordenara aos populares, que durante décadas foram hegemónico à direita, que dessem prioridade a alianças com o Ciudadanos, de centro-direita, antes de alinhar com o Vox, de extrema-direita, que tem tido mais sucesso em roubar espaço político ao PP – nas últimas eleições o Vox chegou a tornar-se a terceira força política, com uns estrondosos 15% dos votos, enquanto o Ciudadanos quase desapareceu, com 6,8%.
Contudo, a presidente da comunidade de Madrid, que tem entrado em choque com o Governo de Pedro Sánchez, apoiado pelo Unidas Podemos, opondo-se às restrições contra a covid-19, sabe como aproveitar uma oportunidade quando a vê – mesmo com barões do PP, que controlam comunidades como Castela e Leão, ou a Andaluzia com apoio do Ciudadanos, a recusar romper os seus acordos de Governo.
“A instabilidade provocada pelo PSOE e pelo Ciudadanos em Murcia, e durante muito tempo, noutras comunidades autónomas e municípios de Madrid, levou-nos a esta situação”, declarou Ayuso, que ordenou a dissolução da Assembleia regional, esta quarta-feira, convocou eleições para 4 de maio e afastou seis dirigentes do Ciudadanos do Executivo madrileno, acusando os seus parceiros de planearem derrubá-la, como em Murcia – enquanto estes o negavam freneticamente.
“Definitivamente, não posso permitir que Madrid perca a sua liberdade”, disse Ayuso, numa conferência de imprensa de 10 minutos, em que não aceitou qualquer questão, apelando aos madrilenos que “decidam entre o socialismo ou a liberdade”
Entretanto, a extrema-direita já se pôs atrás de Ayuso, oferendo os seus préstimos como “parceiro fiáveis”, nas palavras do líder do Vox, Santiago Abascal. Ainda não é certo que a capital vá de facto a eleições, estando o PSOE e o Ciudadanos a tentar travar o processo, mas ninguém duvida que o futuro político de Espanha se joga ali.
Por um lado, se o Ciudadanos conseguir aguentar-se eleitoralmente, pode-se tornar no fiel da balança em Madrid, recuperando alguma relevância, ao mesmo tempo que Ayuso fica praticamente limitada a alianças com o Vox. Por outro, as sondagens indicam que o partido de extrema-direita deverá aumentar a sua representação na capital – não é nada implausível uma maioria de direita só com PP e Vox.