Por Nélson Mateus e Alice Vieira
Querida avó,
«Este país não é para velhos!». É uma frase que (infelizmente) ouvimos com alguma frequência. E as pessoas às vezes até riem.
Em muitas famílias, os velhos são um fardo, um peso que lhes caiu em cima, ninguém tem tempo nem interesse em cuidar deles. Qual a importância que os mais velhos têm na sociedade? O que deve ser feito para valorizar a ligação entre avós e netos?
Os mais novos não pensam que um dia vão ser velhos e um fardo para os mais novos… Todos corremos o risco de chegarmos a uma altura em que ninguém queira cuidar de nós.
Vivemos numa sociedade envelhecida, hipócrita, em que a maioria das pessoas só pensa em si mesmo.
Todos damos como garantida a água que sai da torneira, a democracia, e alguns valores conquistados pelas gerações anteriores. Mas será que não corremos o risco de um retrocesso? Isto de ser velho não deixa de ser um paradoxo.
Ninguém quer ser velho, mas todos querem chegar a velhos.
O tempo passa a correr. Há uns anos, grande parte das famílias não tinha telefone fixo em casa. Hoje, os telemóveis evoluíram tanto, que dão para fazer tudo e mais alguma coisa, inclusive fazer chamadas… E ainda temos a internet. Cada vez estamos em contacto com mais pessoas, e, ironia da atualidade, cada vez estamos mais sozinhos.
Os mais novos têm muito para aprender com os mais velhos. Mas os mais velhos também podem aprender muito com os mais novos.
Somos confrontados diariamente com dramas relacionados com os mais velhos, aos quais não podemos ser alheios. Na comunicação social, ouvimos falar frequentemente de idosos que são abandonados em Hospitais, que não são visitados nos lares, que vivem em profunda solidão, prisioneiros nas suas próprias casas.
Como é possível?
Não podemos fazer como a avestruz e enterrar a cabeça na areia, como se nada acontecesse.
Que pensas disto, avó?
Querido neto,
A solidão é um tema transversal às várias gerações. Mas a solidão dos mais velhos é por demais evidente.
Não se morre só de Covid, nem de cancro, nem de desastre de automóvel. Estes são casos que nenhum canal de televisão conta, que nem vêm nos jornais.
Morre-se de solidão.
Numa (pequena) notícia leio que uma mulher foi há dias encontrada morta, deitada num sofá, na sua casa num prédio nos arredores de Lisboa. A seu lado um cão, também morto.
Tinha 54 anos e, segundo a autópsia, já devia estar morta há dois meses e não apresentava sintomas de nenhuma doença.
Foi o pai que a encontrou. Não a via desde setembro, tentara telefonar-lhe, mas ninguém atendera. Pensou que tivesse saído para qualquer sítio, mas naquele dia tinha decidido ir ver o que tinha acontecido. Meses depois.
Se ela vivesse numa aldeia era diferente, todos davam pela sua falta. Mas arredores de Lisboa, onde normalmente as pessoas vivem no mesmo prédio e ninguém se conhece…
E afinal de que morreu ela? Pegou no cão, deitou-se no sofá e ali ficou sem comer nem beber à espera da morte?
E o cão não ladrou nem uivou que nem um doido?
E ninguém deu por nada? Todos os vizinhos estiveram fora durante dois meses?
E pronto, a história ficou por aqui.
Estou a ver um caso destes nas mãos de Poirot, Maigret, ou o Father Brown (os meus detetives preferidos), e de certeza que qualquer deles já tinha descoberto o que acontecera.
Eu gosto de estar sozinha. Gosto de estar sozinha quando sei que posso sair quando quiser. Estar sozinho é bom.
Mas estar sozinho não é o mesmo que estar só.
Todos temos de estar atentos, caso contrário o drama da solidão irá acentuar-se cada vez mais.
Conheço várias juntas de freguesia, aqui em Lisboa, que têm grupos de jovens só para telefonarem para pessoas idosas de que têm o número, para lhes perguntar se estão bem ou se precisam de alguma coisa.
Eu confesso: ainda estou à espera de uma notícia que explique todo este mistério.
E depois juro que te conto tudo.