Sarah Everard, uma executiva de marketing de 33 anos, fez tudo o que é suposto uma mulher fazer para chegar segura a casa. É uma tragédia que estas medidas sejam sequer necessárias, mas Sarah fê-lo. No dia 3 de março, quando voltava a pé de casa de um amigo em Clapham, um bairro em Londres, para a sua casa em Brixton, optou por ruas bem iluminadas, enquanto falava com o seu namorado por telemóvel. Subitamente, a linha foi abaixo. O corpo de Sarah só seria encontrado nove dias depois, escondido dentro de uma saca, numa mata em Kent, a sudeste da capital britânica, enquanto uma fúria enorme se acumulava. O facto do homem detido pelo seu homicídio ser Wayne Couzens, um polícia de 48 anos, alguém que supostamente tinha obrigação de proteger o público, só aumentou a revolta.
Em todos os sentido, Sarah era a vítima perfeita para ilustrar a insegurança que tantas mulheres sentem diariamente. Em 2017, mais de metade das denúncias de violência sexual em Portugal, segundo o Centro de Crise da Associação de Mulheres contra a Violência, citado pela Lusa, envolveram agressores com uma relação de intima com a vítima, levando tantas vezes a que haja quem duvide do sucedido – tudo indica que Sarah e Couzens não tenham qualquer contacto prévio. Apesar do estigma que enfrentam mulheres vítimas de abusos, «o público consegue facilmente compreender, e ser sensibilizado, pela narrativa de uma jovem mulher, atraente, branca e loira, que é assassinada quando caminhava de volta a casa», notou a Atlantic. A revolta aumentou ainda mais quando a polícia dispersou brutalmente os manifestantes que se reuniram numa vigília em memória de Sarah, em Clapham, no sábado passado – sobretudo quando era um dos seus colegas que era suspeito de a assassinar.
«Isto é uma vigília, não precisamos dos vossos serviços», gritava-se contra a polícia, quando agentes avançaram. Horas antes, manifestantes deixavam flores, cartões e velas em memória de Sarah. Quando o sol se pôs, policias eram filmados a atirar mulheres ao chão, imobilizando-as, em imagens que deram a volta ao mundo.
«Senti-me obrigada a dar as minhas condolências, dado que ela podia ter sido qualquer pessoa que conheci a minha vida inteira», explicou Jaidah Chambers, uma das mulheres detidas, à BBC. «Não quero que nos esqueçamos que estávamos aqui pela Sarah e pela sua família, esse foi o primeiro motivo porque estivemos aqui», salientou Chambers. «No que me toca, só quero que trabalhemos juntos – homens e mulheres – para tentar o melhor possível afastar aquilo que está a causar tanta dor entre nós».
O próprio primeiro-ministro britânico, Boris Johnson expressou «profunda preocupação» com as imagens da atuação da polícia na vigília por Sarah, apelando a que o caso reforce a «determinação para enfrentar a violência contra mulheres e raparigas, e para fazer todas a partes do sistema judicial funcionar para as proteger e defender». Já o presidente da Câmara de Londres, Sadiq Khan, considerou a reação policial «inaceitável» – mas, mesmo assim, a maioria dos britânicos continua do lado da polícia, com 56% dos homens a favor das táticas utilizadas na vigília, bem como 50% das mulheres, segundo sondagens do Crest Advisory.
Ódio ‘aprendido, não inerente’
Mas afinal, quem é Wayne Couzens, de 48 anos, o polícia acusado de assassinar Sarah Everard, que só se tornou suspeito graças a imagens de segurança de um autocarro, segundo o Sun? Para já sabemos que Couzens, pai de dois filhos, morador em Kent era um dos raros polícias britânicos com o privilégio do porte de arma, fazia parte de uma unidade de elite, sediada em Westminster, com o dever de proteger diplomatas, VIP’s, e edifícios sensíveis. À primeira vista, nada no seu perfil indicava sinais de perigo, dos seus tempos a trabalhar como mecânico na garagem da família, até à sua carreira nas forças armadas, antes de seguir para a polícia – até três dias antes do homicídio de Sarah, quando Couzens foi duas vezes alvo de queixa por exposição indecente, num McDonalds no sul de Londres, segundo o Daily Mail. Caso tenha sido de facto o assassino de Sarah, o polícia teve o sangue frio de cometer o crime após acabar de cumprir o seu turno. E multiplica-se a especulação online de que estejamos perante um potencial serial killer.
O personagem que compareceu esta semana num tribunal londrino, abatido, calado, vestindo um fato de treino cinzento, abanando-se para a frente e para trás, tem pouco a ver com o homem energético, talvez orgulhoso, que mostram as suas fotos nas redes sociais. Couzens já por duas vezes foi parar ao hospital desde que foi detido, com ferimentos na cabeça, surgidos quando estava sozinho na sua cela, e o seu julgamento deverá começar em outubro, informou a justiça britânica.
Entretanto, para os familiares e amigos de Sarah, o pesadelo continua. E para as mulheres britânicas – e em todos outros pontos do mundo – o medo continua a ser uma constante. «Sim há psicopatas, nascidos e não socialmente construídos», escreveu uma colunista do Guardian. «Mas mesmo as maçãs podres são moldadas pelos seus ambientes, com estudos a sugerir que o comportamento de psicopatas homens pode diferir de psicopatas mulheres por questões de género, ditadas pela sua educação e ambiente», continuava. «A violência raramente é aleatória, apesar de quão frequentemente esta frase aparece. Os seus alvos são predeterminados por um ódio que é aprendido, não inerente».