por Filipa Moreira da Cruz
Há uns dias ligou-me uma amiga. Finalmente (pensei)! A última vez que falamos ao telefone foi no início do ano. Após essa data, enviei-lhe várias mensagens, mas nunca obtive nenhuma resposta. Quando atendi o telefone apressou-se a desculpar-se dizendo-me que estava muito ocupada. Com o quê? Não tem filhos e está em layoff desde novembro. Obviamente que estas ilações não foram pronunciadas em voz alta. Tento sempre evitar juízos de valor antes de conhecer a situação. Ainda bem que o fiz.
A Sophie soube, em fevereiro, que tem um cancro do cólon e começou, pouco depois, os tratamentos. Três vezes por semana, a ambulância vai buscá-la para as sessões de radioterapia. O cateter já foi colocado para a quimioterapia que se segue. O médico disse-lhe que foi diagnosticada a tempo, mas lamentou que a paciente não tivesse ido à consulta desde o aparecimento dos primeiros sintomas. A minha amiga relembrou-lhe que o rendez-vous foi adiado três vezes por causa da «crise sanitária».
Não pude deixar de pensar na minha mãe. Tal como a Sophie, também ela não gosta de incomodar os outros com aspetos ligados à saúde e raramente se queixa. Quando me ligou para anunciar-me que tinha um cancro (o primeiro) disse-me: «Estou com um probleminha». Eu perdi o chão, faltou-me o ar. Fiquei sem palavras. Algo que acontece raramente. Na altura, vivia em Paris e estava a ponto de mudar-me, com a família, para a Nova Caledónia. O meu marido acabou por recusar a oferta de trabalho. Estava fora de questão ir viver para o outro lado do mundo.
A situação repetiu-se, mas eu não fui atrás da história da Carochinha. Quando a minha mãe me voltou a anunciar outro probleminha apanhei o avião e conversamos na sala da casa em Alvalade, pouco tempo depois de ter aterrado. Uma das vantagens de ter um aeroporto dentro da cidade. Acompanhei-a ao médico na Avenida de Roma e a uma consulta no IPO. Desta vez, a minha mãe foi tratada exclusivamente no hospital público, o que a fez respirar de alívio por razões económicas e, sobretudo, humanas. Os serviços privados, muitas vezes, dão-se ares de hotéis de cinco estrelas esquecendo-se que os pacientes não precisam de room service 24 horas ou de um concierge, mas sim de quem cuide deles.
A Sophie não tem outro remédio que ser seguida numa clínica privada porque a prioridade dos hospitais públicos ainda é a covid. Felizmente, ela tem um bom seguro de saúde. Mas e se não fosse o caso? Como se cuidam, neste momento, as pessoas que não têm dinheiro? Quantas operações foram adiadas? Quantas cáries não foram tratadas? (Espero que não seja o meu caso porque tenho pânico do dentista!) Quantos cancros não serão diagnosticados a tempo? Já não temos o direito de estar doentes. Só somos considerados seres humanos que necessitam de assistência médica enquanto tivermos o vírus. Assim que o resultado for negativo deixamos de ser importantes aos olhos da medicina, ignorando-se os sintomas que persistem. Escrevo-o com conhecimento de causa.
Há exceções. Felizmente. E, como quase sempre, chegam de um país escandinavo. A irmã de outra amiga, que vive na Noruega, também tem cancro. Foi diagnosticado há uns meses. (Esta maldita doença nunca passará de moda!) Ao contrário da Sophie, está a ser tratada num hospital público e todos os tratamentos e medicamentos são gratuitos. Comentou-me que raras foram as consultas canceladas desde o início da pandemia. O país optou por uma logística diferente, contrariando a maioria.
Só damos valor à saúde quando não a temos. Às vezes, a ajuda chega tarde demais. Nem todas as mortes desde março de 2020 se deveram à covid, mas talvez muitas vidas pudessem ter sido poupadas se não estivéssemos concentrados apenas no vírus.