Os três funcionários da delegação do Norte do Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado (STRN) não recebem os ordenados e subsídios de férias desde o passado mês de dezembro.
O órgão acumula igualmente dívidas à Segurança Social, à advogada avençada e até à Vodafone. Ainda que as delegações do Norte e do Sul tenham autonomia financeira, o alegado bloqueio da conta bancária da primeira por parte da segunda é apontado, por funcionários e dirigentes, como causa deste problema.
Uma família e um ordenado Tânia Oliveira trabalha há 18 anos no STRN e esteve de baixa por gravidez de risco e usufruiu da licença de maternidade até 6 de janeiro, data em que regressou às funções que desempenha, apesar de padecer de depressão.
“Quando voltei, foi-me dito que a conta está congelada e não me podem pagar. Até à data, estou sem receber e tenho dois filhos pequenos”, começa por explicar a funcionária, cuja família se encontra a “sobreviver” apenas com o ordenado do seu marido.
“Já fiz queixa ao Ministério Público (MP) para ver se há alguma solução, tenho de usar todos os recursos”, desabafa, realçando que falou “várias vezes” com a direção do Norte. “A culpa não é deles”, sublinha, adiantando que “nunca tal aconteceu, sempre foram cumpridores e pagaram atempadamente”.
No entanto, a mulher desespera. “Não posso estar eternamente à espera. Poderia solicitar a rescisão de contrato por justa causa, mas faria isso em última instância”, admite, confessando que ”é lamentável que se chegue a este ponto”, pois tal “não é bom para a estrutura nem para os associados”.
“Trabalhamos em prol dos trabalhadores e não recebemos, isto é completamente contraditório. Espero que tudo se resolva da melhor forma para todos”, pede.
1000 euros por receber Pablo Alejandro substituiu Tânia durante um ano. O contrato caducou, não tendo sido renovado, e não recebeu o valor equivalente às férias nem ao gozo das mesmas.
“Acontece que as coisas se deterioram, as relações Norte-Sul, e tem havido alguns problemas”, conta o homem ao qual foi entregue, em mãos, no passado dia 29 de dezembro, uma carta em que era informado da não renovação do contrato a termo, com efeitos a partir do dia 3 de fevereiro.
“Tenho a receber, segundo o técnico oficial de contas, uma quantia que para mim é muito dinheiro, por volta dos 1000 euros. Faz-me muita falta”, narra, partilhando que, à semelhança de Tânia, enviou uma carta para a secção de trabalho do MP, no dia 2 de março, expondo a situação. Todavia, ainda não obteve qualquer resposta.
“Recebi sempre o ordenado. São dias de férias que não gozei e o respetivo subsídio. Já meti os papéis para o fundo de desemprego”, diz, avançando que vive com a esposa e tenta pagar as despesas que enfrentam. “Com muita dificuldade, vamos conseguindo viver. Eu cumpro com as minhas dívidas, que é algo que o sindicato não faz”, remata.
“Isto é vergonhoso: como é que um sindicato é o primeiro a falhar com as obrigações dele?”, questiona. “Estou a tentar tudo por tudo para receber o mais rapidamente possível. Isto transtorna a minha vida”, esclarece. “A minha mulher está desempregada e eu também, as coisas complicam-se”.
Resignação por medo do desemprego Quando Pablo esteve de baixa por doença, Helena Almeida substituiu-o, tal como substitui Tânia enquanto esta goza as suas férias e dá assistência aos filhos menores.
Desde 9 de dezembro, não recebeu um único vencimento. “Tem sido complicado porque há despesas. Já é bastante tempo”, elucida, acrescentando que a única coisa de que tem conhecimento é de que “o Sul e o Norte entraram em conflito e a conta foi bloqueada”.
Seguindo a posição dos colegas, já fez queixa ao MP, mas ninguém lhe respondeu. “Até agora, a direção disse-me muito pouco, não me deu satisfações. O panorama torna-se ainda mais difícil por este motivo”, expressa, manifestando que o contrato foi renovado por mais três meses e não teve alternativa para além de aceitar essa decisão superior.
“O contrato foi renovado a 9 de março e, portanto, terei de trabalhar até 9 de junho”, destaca. “Como não é fácil encontrar emprego em tempo de pandemia, decidi não desistir e ficar”, finaliza.
Conselho Diretivo Nacional recusa prestar declarações
Contactado pelo i, o Conselho Diretivo Nacional recusou prestar declarações.
Um dos elementos da direção cessante do STRN Norte, que preferiu não ser identificado por medo de represálias, disse que “houve um diferendo entre os dois conselhos em julho do ano passado” sendo que “o problema avolumou-se”.
Assim, “perante o facto dos colegas do Sul não terem conseguido levar avante os seus intentos, foram bloqueadas as contas do Norte em dezembro”. “Naturalmente que o presidente tem responsabilidades acrescidas, tem conhecimento disto, até porque existe somente um contribuinte, existe uma pessoa una”, adicionou.
A ata da tomada de posse, que ocorreu no dia 20 de fevereiro, pelas 14h30, no STRN (Zona Norte) sito na Rua do Ateneu Comercial do Porto, confirma a legitimidade da lista A, apesar das eleições terem sido impugnadas pela B.
O i tem conhecimento de que o STRN Norte tem várias dívidas por saldar, nomeadamente, de de água e eletricidade. Também não pagou o serviço de limpeza, as despesas de condomínio, os seguros da fração e de acidentes pessoais de trabalhadores, à instrutora dos processos e dos assuntos inerentes ao bloqueio da conta bancária nem as mensalidades da Segurança Social.
“Tenho vergonha de dizer que pertenço a este sindicato porque estamos numa guerra de poleiros. Vamos perder dinheiro porque estamos a pagar contas do nosso próprio bolso”, lamentou um membro da atual direção do STRN Norte, que, à semelhança do elemento da direção anterior, optou por não assumir a identidade.