A oposição aos cortes desnecessários de árvores em Lisboa tem crescido nos últimos anos e, 2021, tem sido pautado por uma enchente de petições tanto por parte dos cidadãos, como também instituições ambientais, e partidos políticos que pressionam as autarquias a fim de obterem respostas concretas que justifiquem esta falta de consideração ambiental vivida na capital.
As árvores não sobrevivem, a preocupação pelo futuro arborístico aumenta e a câmara não responde. A visão que tem imperado nas cidades portuguesas, nomeadamente em Lisboa, tem posto como prioridade o betão, ao invés da conservação e manutenção dos espaços verdes, não existindo uma atenção nas próprias pracetas em cada bairro.
Uma das últimas polémicas diz respeito à construção de ciclovias que, muitas vezes, seguem o caminho que outrora era de árvores. A esse propósito, Rosa Casimiro, da Plataforma em Defesa das Árvores, diz ao Nascer do SOL que não existe nenhum problema entre as pessoas que são ambientalistas e os ciclistas: «Quando se abatem árvores para se fazer ciclovias a culpa não é dos ciclistas, é de quem não garante que as árvores não são abatidas, quem desrespeita isso e é contra isso que nós lutamos (…) As árvores que existem são para se manter, não vamos abater árvores para se fazer outras coisas, não faz sentido!».
Também Herculano Rebordão, membro da Direção da Associação para a Mobilidade Urbana em Bicicleta (MUBi) declara, ao Nascer do SOL, que a associação não considera que a construção de ciclovias esteja na origem de grande parte dos abates do arvoredo na capital. «A grande maioria da rede ciclável que está a ser construída é do tipo popup, isto é, feita a partir de uma parte da rodovia ou espaço alocado a estacionamento automóvel, que, essa sim, terá em tempos sido feita à custa de abate de árvores», afirma.
«Somos absolutamente contra o abate desnecessário de árvores saudáveis e na construção de ciclovias deve estudar-se todo o espaço envolvente de forma a que se minimizem os impactos ambientais», acrescenta.
Uma poda que vem de longe
«O problema com as árvores em Portugal já vem muito lá de trás e pode-se ver isso na literatura onde escritores se interrogam do porquê dos portugueses não gostarem de árvores», comenta Rosa Casimiro. Na página de Facebook da Plataforma, as publicações são regulares. Uma petição pela regulamentação da gestão do arvoredo urbano, com mais de mil assinaturas, avançou em março do ano passado e nela constavam, entre outras coisas, o pedido de reconhecimento da profissão de arboricultor e a adoção de um documento de referência de ‘Boas Práticas de Gestão do Sistema Arbóreo Urbano’.
Para a ativista, o problema é cultural: «As árvores sempre foram cortadas e culturalmente sempre houve a prática que, hoje em dia, todos os técnicos criticam, das podas de rolagens em que as árvores são constantemente diminuídas». As árvores crescem um bocadinho e, no ano seguinte, são submetidas ao corte do crescimento desse ano. «Isso é culturalmente aceite pela maioria da população que acredita que as árvores precisam deste tratamento (…) Não sei bem de onde vem essa ideia, provavelmente da agricultura em que as árvores de fruto requerem esse tipo de processo, mas acaba por haver, por parte das pessoas, uma generalização», reflete. Contudo, as árvores ornamentais têm outra função e é necessário reconhecer o seu papel ambiental e para o espaço urbano.
Inês de Sousa Real, candidata à liderança do PAN, ao Nascer do SOL, alerta que este tipo de podas que deixam apenas os ramos principais destruindo todos os ramos secundários são «absolutamente abusivas»’. E que, inclusive, são levadas a cabo em período de nidificação, proibido por lei.
Para a deputada aquilo que tem acontecido é que os interesses económicos têm prevalecido àquilo que é a proteção ambiental: «Há claramente aquilo que é, muitas vezes, a iniciativa privada, as opções financeiras em torno daquilo que possam ser as gestões dos espaços públicos (…) Passa pela adjudicação ou dos serviços mais baratos ou daqueles que mais interessam aos promotores imo- biliários», informa.
A deputada lamenta que não exista uma visão da cidade como um todo, como um ecossistema vivo e alerta tanto para as consequências que as alterações climáticas terão no país como a falta de interesse do partido que está no poder camarário: «Estamos no final de um mandato, o fim do ciclo daquela que tem sido a governação também socialista em Lisboa e, de facto, a marca que Fernando Medina vai deixar na cidade não é uma marca que acompanhe os desafios do nosso tempo». A deputada revela que são constantes as denúncias de podas e abates feitos quer em espaços universitários, quer em espaços históricos cedidos a entidades terceiras como foi o caso da Fundação Aga Khan. «Há de facto um conjunto de maus exemplos que têm proliferado pela cidade que nos dão essa nota (…) Basta irmos à plataforma Na Minha Rua para que, com uma pesquisa muito rápida, observemos que só em 2021 já existem mais de 41 queixas relativamente quer a podas indevidas, como também a caldeiras que estão vazias e árvores que foram deixadas a morrer à sede», acrescenta.
Atualmente, há municípios, como o de Lisboa, que possuem um regulamento para a gestão do arvoredo urbano e há também uma legislação para as árvores protegidas, com especial relevância botânica. Mas não existe uma lei que abranja todas as árvores em todo o território nacional. A manutenção das árvores em meio urbano é gerida pelas autarquias, que nem sempre têm técnicos especializados, o que leva a manutenções mal executadas, pondo em causa a saúde das árvores.
A deputada do PAN explica ao Nascer do SOL que, apesar das vias estruturantes do ponto de vista verde continuarem sob alçada da Câmara Municipal, tudo o resto foi delegado às juntas de freguesia, tendo havido uma «descentralização de competências». Além disso, para o partido ambientalista «não existe uma uniformização daquilo que é a formação e aptidão dos técnicos que fazem as podas».
O PAN apresentou na Assembleia da República um projeto-lei que visa regulamentar e criar um regime jurídico de proteção do arvoredo para que não fique no poder discricionário das autarquias a gestão desse arvoredo.
«Lembro-me que aquando do surgimento da Plataforma em Defesa das Árvores em 2015, tivemos três anos a aguardar que fosse aprovado o regulamento municipal do arvoredo e quando finalmente foi aprovado, seguiu com muitas falhas», relembra Rosa Casimiro.
A ativista declara que o principal objetivo desse regulamento era que existisse uma certa uniformização através de núcleo responsável por tudo o que se fazia nas árvores da cidade, o que não acontece.
A Câmara de Lisboa, que recusou responder ao Nascer do SOL, é também acusada de um desinvestimento do ponto de vista dos recursos humanos onde muitas das vezes acaba por haver uma tendência de subcontratação e de externalização destes serviços ao invés de se perceber que há serviços que são absolutamente estruturais para aquilo que é a qualidade de vida.
«Devia-se apostar na formação das pessoas responsáveis por estas podas (…) A falta de investimento neste tipo de funções parece-nos claramente uma opção política com a qual não concordamos», afirma Inês de Sousa Real.
«As autarquias vão ter de ser mais atualistas e procurar ter recursos que acompanhem um dos maiores desafios dos nossos tempos, combater as alterações climáticas, o que não se faz com mera propaganda. Tem de se fazer, de facto, promovendo aquilo que é uma cidade mais resiliente e capaz de mitigar os efeitos das alterações climáticas», alega.
Além da preocupação com o arvoredo, as aves migratórias também são afetadas por estas intervenções: “As árvores, no local onde se encontram, constituem um porto de abrigo para as aves que vêm até à nossa cidade e, retirar-lhes esse suporte significa que estamos a perder também o importante ativo ecológico para a cidade”, ressalta a deputada.