No início do ano, o primeiro-ministro irlandês pediu, publicamente, desculpas pelas 9.000 crianças que morreram em várias residências de acolhimento para mulheres solteiras e grávidas. Este número corresponde a 15% de um total de 57.000 crianças. As mortes ocorreram entre 1922 e 1998. A maioria dos menores morreu nos anos 60 e 70, vítimas de negligência. As causas da morte iam desde infeções respiratórias a gastrites.
O Estado e a Igreja Católica são cúmplices. Fecharam os olhos, ignoraram as queixas. Foram necessários cinco anos e um relatório de mais de 3.000 páginas para denunciar esses crimes atrozes silenciados durante longas décadas num país profundamente católico, conservador e tradicional. As raparigas solteiras que engravidavam eram abandonadas pela família e depositadas nas instituições geridas por freiras. Após o nascimento, os bebés eram, sistematicamente, entregues para adoção.
Estes atos não são isolados. A história da República da Irlanda está manchada de pedofilia, crimes sexuais, ostracismo e pudor. O país aprovou o aborto em 2018, mas a sociedade ainda o condena. Até 1989 a separação era ilegal e, só a partir de 1995, o divórcio e os segundos casamentos passaram a ser aceites. A lei foi aprovada, à tangente, através de um referendo. Uma grande vitória!
Conheço bem a Ilha Esmeralda. Na terceira visita acabei por lá ficar seis meses com a desculpa de estudar no Trinity College e fazer voluntariado na Oxfam. Vivi com uma família irlandesa. Tinham dois filhos e sonhavam com mais, mas os três abortos espontâneos puseram fim ao sonho. A mãe alimentava a culpa por não ter conseguido trazer ao mundo esses fetos ‘rejeitados por Deus’. Isto ocorreu há mais de 20 anos, mas no século XXI o país ainda não conseguiu libertar-se totalmente do obscurantismo.
A Igreja Católica na Alemanha também tem muitas pedras no sapato que, de tão pesado, a impede de seguir caminho. O cardinal de Colónia recusa-se a pedir desculpas pelos escândalos de pedofilia que ocorreram entre 1975 e 2018. Demitir-se também não faz parte dos planos daquele que, durante anos, dissimulou a dimensão dos escândalos sexuais. 314 menores (principalmente rapazes) foram abusados sexualmente por 200 membros religiosos. Muitos fiéis ameaçaram deixar de contribuir financeiramente enquanto o cardeal não se despedir. Voltam costas, não a Deus, mas ao clero. Convém lembrar que todos os cidadãos devem declarar a religião à qual pertencem e pagar, anualmente, um imposto arrecadado pela mesma.
O meu melhor amigo é alemão e já perdi a conta ao número de vezes que estive no país. Cidades foram muitas, mas duas especiais: Berlim e Colónia. Fiz uma visita guiada à impressionante catedral desta última e o guia relembrou, orgulhosamente, que o símbolo da cidade do Reno é o monumento mais visitado de todo o país. Sobreviveu a duas guerras porque os inimigos «recusaram destruir algo tão belo». O Todo Poderoso deve franzir o sobrolho lá em cima. O monumental edifício de estilo gótico manteve-se de pé durante os dois flagelos do século passado, mas os que nele dizem a missa não foram capazes de controlar o seu apetite sexual, deixando-se levar pelos prazeres carnais contra a vontade de centenas de jovens rapazes. Nem todos passaram ao ato, mas quase todos foram cúmplices deste jogo silencioso e perverso.
Os seres humanos não abandonam a fé, mas afastam-se da religião. Infelizmente, as duas não caminham sempre de mãos dadas. Nem todos os servidores de Deus são dignos de O servir. Orar e ir à missa são atos distintos. Felizmente, a maioria dos diáconos, padres, bispos e cardeais têm um comportamento irrepreensível, mas as barbaridades cometidas por uma minoria deixam marcas dolorosas e profundas na sociedade. O ser humano é imperfeito e, muitas vezes, o justo paga pelo pecador.