por Pedro Antunes
Um pouco de contexto. Estamos hoje a entrar no segundo ano de crise pandémica. O mundo mudou desde março de 2020. As pessoas socializam menos, o turismo caiu a pique, as crianças já não podem ser crianças, as cadeias de abastecimento começaram a encurtar, um movimento de reindustrialização no mundo desenvolvido começou a surgir e milhões foram para casa em layoff ou teletrabalho.
Todos os Estados, ou quase todos, decidiram aumentar a sua despesa para criar apoios à economia. Não vou elaborar sobre se isto é a forma correta de o fazer. Apenas digo que se um negócio é obrigado a fechar temporariamente pelo Estado, esse mesmo Estado tem a obrigação de o compensar. É para este tipo de situações que o Estado existe, é para este tipo de capacidade por parte do Estado que se pagam muitos dos impostos (em tese).
Hoje, quando já se vê uma luz ao fundo do túnel, com planos de vacinação a acelerar no mundo inteiro, começamos a olhar mais para a recuperação da crise e a fazer o diagnóstico. Está na altura de pagar a fatura dos gastos dos Estados, independentemente de concordarmos com a forma.
Para países como Portugal, cuja situação financeira piora desde Sócrates, este exercício é mais complicado. A dívida já é elevadíssima, a margem para redução de custos correntes é politicamente difícil para qualquer governo populista e o peso do Estado é paquidérmico.
Se estivéssemos a falar da nossa casa, a solução era óbvia: reduzir as despesas. É verdade que esta situação também se pode resolver com aumento de receitas. O que acontece é que a maioria das famílias não tem capacidade de as aumentar só porque lhe apetece.
Muitos governantes e “economistas de gabinete” estão convencidos que isto não é a realidade dos países. Acreditam mesmo que uma solução é ir ao bolso, que eles vêm como sem fundo, do cidadão. São pessoas com pouca imaginação, com rendimentos várias vezes superiores à média portuguesa e, como tal não percebem o impacto do que é taxar “toda a burguesia do teletrabalho”. Dizem-no como se minimizar a dimensão do Estado, reduzir o despesismo da governação e a burocracia ineficiente dos serviços públicos não fosse uma solução mais interessante, eficaz e sustentável. Uma solução que, já agora, era necessária mesmo que não estivéssemos em crise.
Pior do que estes “economistas de gabinete”, seguros nos seus empregos sem termo, quase todos com vínculo estatal, são as recentes afirmações de Vítor Gaspar. Vítor Gaspar, esse que foi ministro das finanças. Ele, melhor que ninguém, sabe que não existem “impostos temporários”: uma vez criado, a hipótese de se ver o fim a um imposto é o mais próximo de zero que veremos no mundo real. Ele, melhor que ninguém, sabe o quão gordo e distendido está o Estado. É incompreensível que sugira soluções suportadas em conceitos como “lucros excessivos” de algumas empresas. O que raio é, sr. Vítor Gaspar, “lucro excessivo”?
Eu não sou economista, mas teria muita dificuldade em fazer afirmações tão inexatas e suportadas em políticas que já se demonstrou não funcionarem. Dizem que este foi um ministro tecnicamente muito bom. Foi para o FMI e deixou de o ser? Ou afastou-se tanto da realidade que já nem sabe o que está a dizer?
Vou pensar também numa solução baseada em conceitos altamente discutíveis, mas apesar de tudo mais justos: Proponho que se aumentem os impostos de acordo com esta lista de critérios razoavelmente aleatória, mas que a generalidade de vós até poderá considerar consensual “qb”:
- Comecemos pelo sempre populista rendimento das pessoas eleitas para cargos políticos. Lógica: a situação financeira do país é resultado das políticas, logo devemos começar a cobrar pelos responsáveis diretos.
- Passemos para o também populista: pessoas em cargos de nomeação política. Assim como assim, estão lá por causa da ligação aos primeiros. Da mesma forma que são os segundos a beneficiar, podem ser também os segundos a pagar.
- Vamos então para pessoas mais inocentes, mas que também estão envolvidos na despesa de forma direta: trabalhadores de entidades públicas e sector empresarial do Estado, incluindo pensionistas de sistemas privados destas entidades (como o Banco de Portugal, por exemplo).
- Depois os restantes funcionários públicos, deixando de fora o que é essencial nos dias de hoje: professores (já recebem tão pouco), profissionais de saúde e polícias.
Proponho ainda, atalhe de foice, aquelas medidas básicas: não torrar 4 mil milhões na TAP, não queimar 300 milhões ano na RTP, mais não sei já quantos milhões na CP e elefantes brancos como o Hidrogénio. Um pouco mais a custo, racionalizar a função pública, apostando em melhores salários para professores e enfermeiros, mas reduzindo (por exemplo) o número de funcionários na CML. Coisas assim, difíceis de imaginar…
Mas Vítor Gaspar, como muitos dos futuros pensionistas “milionários” do banco de Portugal e das instituições internacionais, adora impostos. É normal, tendo em conta que tem a vida dele resolvida à nossa custa. Assim é fácil!
Nota: Decidi não mudar o tópico deste artigo, apesar do que se passou na passada sexta-feira. Já muitos escreveram sobre o tópico, provavelmente melhor do que eu conseguiria. É preciso percebermos que o caso de Sócrates não é a única coisa a acontecer de grave no país.