por Sofia Aureliano
O contexto de pandemia obriga-nos a níveis mais elevados de tolerância, quer em relação aos decisores, quer aos afetados pelas decisões políticas.
Mas há limites para a tolerância, sobretudo quando se está a falar, efetivamente, de uma questão de vida ou morte.
Têm sido cometidos vários erros que, se não forem rapidamente corrigidos, podem ter consequências desastrosas para a sociedade portuguesa. Como disse num texto anterior, a circunstância de estarmos todos no mesmo barco faz com que todos tenhamos a nossa quota parte de culpa, sem espaço nem tempo para errar a ilibar acusados ou delatar absolvidos. Vamos à roleta das irresponsabilidades.
1. Esteve mal a Comissão Europeia quando decidiu usar dados científicos para pressionar politicamente a AstraZeneca a cumprir o seu contrato de distribuição. Lançou o pânico, fez suspender a vacina em vários países e só a “reautorizou” quando teve a garantia de que a Europa receberia o número de doses contratadas.
Esta jogada ao jeito de “la Famiglia”, que veio a ser admitida por vários países como uma manobra política (obviamente que, em Portugal, tratou-se apenas de uma reação puramente baseada na evidência científica), teve o efeito perverso de criar uma bolha de desconfiança em relação aos efeitos adversos da vacina.
Não se fazendo o caminho contrário para o desconstruir, e sendo grande e absolutamente natural a iliteracia relativa aos temas da saúde, a bolha cresce desmesuradamente. Cada vez existem mais pessoas com medo de ser vacinadas. Com a vacina da AstraZeneca ou com qualquer outra.
De que serve termos as vacinas se não temos os portugueses a querer ser vacinados?
2. Está mal o governo que, mesmo tendo criado, há mais de um mês, uma task force de ciências comportamentais, não desenvolveu, até ao momento, qualquer campanha de promoção da vacinação, que após identificação dos medos dos portugueses, os possa tranquilizar com informação científica ou evidências simples como o facto de toda a comunidade médica ter sido já vacinada.
Se os mais informados disseram imediatamente sim, porque havemos nós de desconfiar que eles é que estão errados?
Em sentido inverso, o governo avança e recua com informação e contrainformação sobre a administração das vacinas da AstraZeneca e não responde às questões prementes: diz que grupo deve tomar e a partir de que idades não há risco, mas não informa sobre casos de reações adversas em Portugal, e lança a possibilidade de quem tomou primeira dose de AstraZeneca vir a ter de misturar vacinas (algo que, há uns meses, seria inadmissível).
Tudo isto feito informalmente, de forma amadora, sem uma norma publicada pela Direção-Geral da Saúde, um despacho do Ministério da Saúde ou um parecer da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 a validar qualquer decisão.
É urgente mudar esta falta de transparência e apostar numa comunicação clara com a população. Porque de nada valerá fixar metas para atingir a imunidade de grupo se as pessoas continuarem a resistir à vacinação.
3. Estão mal alguns jornalistas que, devendo ver mais além e tendo a responsabilidade e a obrigação de informar objetivamente, competem pela manchete mais atrativa sem olhar a meios, nem consequências. Cabe-lhes o dever de desmascarar as manobras políticas e evidenciar os números reais que, mesmo não vendendo tanto nem captando tantas visualizações, são os que ajudarão a população a ser mais esclarecida. E a agir em conformidade com o seu melhor interesse. E o de todos.
Está na altura de os jornalistas começarem a publicar a outra parte da verdade: com os números mundiais que já são conhecidos, qual é a probabilidade de ter uma reação adversa muito grave a uma vacina contra a Covid-19, seja ela qual for, entre as vacinas que estão a ser administradas em Portugal? Qual é o real risco de morrer contraindo o vírus da Covid-19, consoante a idade, simplesmente, ou acrescendo a esta qualquer patologia que normalmente lhe está associada? Qual é a percentagem de população que quer ser vacinada o quanto antes, nos restantes países europeus?
Eu sei as respostas, mas não tenho a credibilidade de um jornalista. E escrevê-las aqui não as torna “visíveis”, nem verdade.
Esse é um privilégio que os jornalistas têm e que deve ser usado para o bem comum e, neste caso, com verdadeiro espírito de missão. Porque o seu trabalho pode fazer a diferença no incremento da confiança dos portugueses na vacinação.
Se pensarem nesta causa nobre como de vida ou morte, serão vencedores todos os que combaterem usando a arma da verdade. E nada mais vos é pedido do que honrem a vossa profissão. Afinal, pode sempre haver mais heróis nesta pandemia.
4. Estamos mal nós que, irresponsavelmente, reencaminhamos um viral que alimenta o medo, só porque é engraçado, partilhamos a notícia enviesada e mal explicada sobre a senhora de 61 anos que estava em cuidados paliativos e morreu após ser vacinada, ou comentamos e damos visualizações a especulações infundadas sobre a probabilidade de morrer com uma vacina. Afinal a senhora faleceu de problemas oncológicos, de que já padecia, e não se sabe sequer se a vacina que lhe foi administrada era a da AstraZeneca.
Mas quem é que quer saber dessa parte?
Todos somos produtores e veiculadores de conteúdos, todos temos a nossa rede e todos influenciamos. Por isso, devemos ter a mesma responsabilidade que pedimos aos jornalistas de não explorar o que não sabemos se é verdade, o que não tem fonte fidedigna, o que pode ser ou não ser fake news. Porque, como não gostamos de ser enganados, também não nos devíamos permitir ser instrumentalizados por campanhas de desinformação de natureza duvidosa.
Esse papel de marionetas faz de nós cúmplices da teia e, acima de tudo, contribuidores ativos para uma atitude coletiva que terá consequências negativas para a sociedade.
Queremos todos voltar a respirar sem máscara e recuperar todos os nossos direitos. Queremos todos voltar à “normalidade” e ser livres. Há, felizmente, um caminho para conseguir isso: chama-se imunidade.
Mas, para isso, é preciso ser vacinado.