O juiz Ivo Rosa acredita que os empréstimos que os amigos concederam a José Paulo Pinto de Sousa, num momento de sucessivos apertos financeiros, ocorridos ao longo dos anos, afinal só serviram para que o primo de José Sócrates ficasse rico. Para tal, José Paulo investiu o dinheiro que lhe chegou às mãos aplicando-o em produtos financeiros na Suíça – e ‘fintando’, desta forma, os próprios familiares (pai e irmãos) que se debatiam por esta altura com graves dificuldades relacionadas com o negócio das salinas em Benguela, Angola (de que os Pinto de Sousa eram proprietários desde 1971).
O negócio da exploração de sal não era, à época, minimamente rentável, dado que o preço de venda desse produto, face à sua escassez e importância para a economia local, era fixado administrativamente pelo Estado angolano em valores muito baixos. A guerra civil veio apenas acentuar os problemas. E os Pinto de Sousa teriam de enfrentar as décadas seguintes fazendo contas à vida, a braços com um sal amarelado, de baixa qualidade, produzido num subúrbio angolano populoso e poluído. A crise retirou liquidez à família e o patriarca António Pinto de Sousa, já falecido, entrou numa situação de incumprimento junto dos credores. É neste contexto que entra em cena José Paulo.
As conclusões do despacho de instrução da Operação Marquês aceitam como verdade que as circunstâncias levaram o primo de Sócrates a deitar o orgulho para trás das costas e a apelar aos mais próximos, não ao antigo primeiro-ministro – com quem mantinha uma relação fraternal –, mas a pessoas que considerava terem condições financeiras mais robustas: como Carlos Santos Silva, o amigo de José Sócrates, e Hélder Bataglia, o homem da Escom, empresa do universo Grupo Espírito Santo (GES), com quem partilhava uma longa relação de amizade e fortes laços familiares (Hélder Bataglia chegou a viver com uma sobrinha de José Paulo, de quem teve uma filha).
Mas, apesar da generosidade de Santos Silva e Bataglia, a família Pinto de Sousa, em dificuldades, jamais veria a cor do dinheiro que chegou aos bolsos de José Paulo, pois o primo do antigo primeiro-ministro, agora com renovada liquidez, optou antes por subir sozinho no elevador social, à boleia dos avultados montantes emprestados, com que foi engordando as contas que detinha no banco suíço UBS (onde investiu através de aplicações financeiras).
Uma conclusão, aliás, que consta do despacho de instrução do juiz Ivo Rosa: «O arguido José Paulo Pinto de Sousa referiu que realizou o empréstimo por necessitar de liquidez, mas essa explicação mostra-se contrariada pelo facto de após ter recebido o dinheiro na sua conta ter procedido a aplicações financeiras».
Os amigos ricos. A versão que o juiz Ivo Rosa dá como certa pressupõe a dependência financeira que se estabeleceu, entre 2006 e 2013, entre José Paulo e os amigos Carlos Santos Silva e Hélder Bataglia, com transferências de empréstimo e devolução, sempre com base na amizade, e portanto sem quaisquer documentos ou contratos.
Carlos Santos Silva até ficou a ganhar com a sua generosidade, pois o acordo permitiu-lhe multiplicar com grande margem de lucro o dinheiro que serviu para alimentar José Paulo.
O empresário apostou no negócio das salinas dos Pinto de Sousa no final dos anos de 1990, por um mero acaso, depois de ter conhecido na Covilhã José Paulo, que o terá convencido a dar a mão à família que, por essa altura, já enfrentava uma tempestade de bolsos vazios.
Santos Silva compadeceu-se do primo de José Sócrates e disponibilizou-se para ajudar. Em conversa com o pai de José Paulo, António Pinto de Sousa, sem regatear muito, foi facilmente convencido do potencial dos terrenos.
Nessa altura, o empresário ligado ao grupo Lena tinha uma discoteca e muita liquidez e, sem nada entender da exploração de sal, ficou com 50% das salinas em troca de 200 mil contos [um milhão de euros]. «Ele [José Paulo] na altura perguntou-me se eu queria ser sócio do pai numa exploração de salinas que ele tinha em Angola (eu não percebia nada daquilo), porque ele estava com algumas dificuldades», disse Santos Silva em interrogatório perante o juiz Carlos Alexandre – um tiro certeiro que, em 2006, lhe valeu 6,5 milhões, mais-valias incluídas.
O empresário Hélder Bataglia foi outro dos amigos de José Paulo que se deixou vencer pela generosidade. O homem forte da Escom emprestou, em 2006 ou 2007, segundo o próprio, cerca de oito milhões ao amigo de infância. E também neste caso a base era a discrição e a confiança, não existindo pois documentos ou contratos que comprovem a entrega.
Em interrogatório, Bataglia experimentou algum pudor perante a situação: «Quando as pessoas me pedem, se eu tenho confiança nas pessoas, se acho poder fazer, faço. Não vou perguntar para que é que é, para que é que não é. Nunca perguntei, devo-lhe dizer que nunca perguntei. Ele disse que tinha responsabilidades, algumas inclusivamente que o pai tinha assumido e que ele tinha de cumprir, não sei o quê, e portanto…, mas fundamentalmente tinha necessidades, e emprestei», disse a Carlos Alexandre.
O montante chamou a atenção do UBS, e o gestor de conta Michel Canals terá mesmo questionado Bataglia sobre o pagamento, mas também neste caso o empresário tentou, acima de tudo, proteger o seu amigo: «Eu recordo-me: quando emprestei parte dos fundos ao Zé Paulo, o Canals por acaso perguntou-me. E eu não quis dizer que era um empréstimo, porque não queria fragilizar o Zé Paulo perante o Canals (…) disse-lhe que eram umas operações que eu tinha com ele, e pronto (…) [que] é uma operação imobiliária que eu estou a fazer com o Zé Paulo em Angola».
O irmão não viu o dinheiro. António Manuel Pinto de Sousa, irmão de José Paulo – que depois da queda do império colonial português cuidou de permanecer por terras angolanas para gerir e proteger os bens da família naquele país – admitiu sempre à investigação não ter tido conhecimento desse dinheiro, apesar de ter ouvido algo sobre um empréstimo ao seu pai feito pelo seu «irmão José Paulo ou outra pessoa que desconhece», o que não evitou que, poucos meses depois, os problemas financeiros regressassem.
Aliás, o familiar sempre sublinhou que esse montante, a ter chegado a Angola, nunca poderia ser para desenvolver negócios no país, uma vez que a urgência do seu pai era, na altura, pagar dívidas que se acumulavam junto de fornecedores em Portugal.
E quanto a Santos Silva, o investidor, desmentiu sempre qualquer ligação do empresário covilhanense à propriedade daquelas terras, apresentando-o como um perfeito desconhecido nas operações.
A verdade, é o que o dinheiro chegou, de facto, às mãos de José Paulo. O destino que lhe foi dado, porém, não contemplou os seus. Ficando a render pelo menos até 2008 em contas por si tituladas na Suíça.