Hegel deixou-nos o legado do seu postulado filosófico: Tese. Antítese. Síntese. O que é que isto tem a ver com a operação Marquês? As interpretações ficam ao critério de cada um. No entanto, os mandamentos da filosofia ajudam-nos a compreender as várias dimensões da vida. E a justiça é uma delas. Ao ouvirmos durante quatro horas as decisões do juiz Ivo Rosa fica uma sensação de perplexidade e de incredulidade. A prisão de um primeiro-ministro e um inquérito acusatório de sete anos foram uma fantasia, uma incongruência e outros tantos adjetivos negacionistas utilizados pelo magistrado em relação à acusação? Ivo Rosa concluiu que sim quanto ao essencial da acusação. Calmo, José Sócrates ouvia as palavras do juiz. A sua linguagem corporal demonstrava tranquilidade. Não seria para tanto, já que, apesar da acusação ter saído arrasada, o juiz concluiu que Sócrates tinha sido corrompido pelo amigo Santos Silva num milhão e setecentos mil euros. Porém, o crime foi dado como prescrito. De resto, e como ironizou e bem Ricardo Araújo Pereira, a palavra prescrição foi das mais utilizadas pelo juiz. Ficará, por certo, como uma das palavras do ano.
Independentemente do rumo que o processo terá nos tribunais superiores, fica reforçada na opinião pública a convicção de que a justiça é punitiva com os fracos e tolerante com os poderosos. É como se revisitássemos a história de Os Miseráveis com Jean Valjeant a ser perseguido durante uma vida por ter roubado um naco de pão.
É esta perceção de que a justiça não é para ser levada a sério que perpassa pelos espíritos mais leigos que somos quase todos nós. Como se já não fosse pouco, ao lermos os juristas e ao escutá-los, as opiniões dividem-se. Uns dizem que a fundamentação de Ivo Rosa é intocável; outros pensam de forma contrária. Tudo parece insano. A finalizar, as parcas palavras do Presidente da República, lembrando que seria bom que os processos decorressem em tempo útil. Mas alguém acredita que assim será?