Numa semana em que o Real Madrid bateu o Barcelona para o campeonato (2-1), ganhando terreno ao rival na luta pelo título, houve quem nos refrescasse a memória com a maior goleada de sempre entre as duas equipas, um 11-1 implacável e doloroso obtido pelos madrilenos numas meias-finais da Taça do Rei em 1943.
Decorria o dia 13 de junho e uma tremenda excitação tomara conta de Madrid. Na semana anterior, no entretanto desaparecido Estadio de Les Corts, o Barcelona tinha vencido a primeira mão desse formidável confronto por 3-0, com golos de Valle, Sospedra e Escolà. Convém dizer que, depois do final da sanguinolenta Guerra Civil de Espanha, o rei deixou de mandar o que quer que fosse. O chefe de Estado tinha um nome longo como uma centopeia: Francisco Paulino Hermenegildo Teódulo Franco Bahamonde Salgado-Araujo y Pardo de Lama. Para toda a gente, Franco, El Caudillo. Dera a si próprio o título de Generalíssimo e, num gesto de ascorosa submissão, a Real Federação Espanhola mandou às urtigas a realeza e alterou o nome de Copa del Rey para Copa del Generalíssimo.
Acusam ainda hoje os barcelonistas de haver uma manobra política preparada para a receção do Barcelona no Estádio de Chamartín. Manobra essa que se prolongou por dias e dias na imprensa madrilena. Queixavam-se os jogadores do Real de terem sido inclementemente insultados pelos adeptos culés no jogo da Catalunha. Pelo Paseo de La Castellana, vendedores de rua convenciam os transeuntes a comprar apitos para receberem a silvos os odiados adversários.
Dois jornalistas ficaram ligados para sempre a um dos episódios mais feios do futebol espanhol que teve sempre uma certa tendência para descambar em touradas. Um deles foi Rienzi, di Diario de Madrid, o outro assinava Juan Deportista no ABC. Uma das frases do primeiro, publicadas a 48 horas do jogo decisivo, não precisa de tradução: «Más claro: ha surgido de nuevo, y ahora nada menos que en las Corts, el más locuaz impresionante espectáculo de la agresividad unánime, de la vehemencia… al Real Madrid no le ha sido posible jugar durante todo el primer tiempo, porque se ha opuesto, más que el equipo azulgrana, el público, antes que las dificultades del lance o la superioridad del juego, el árbitro. Cuanto a éste, no quiero hacer insinuaciones que puedan dar lugar a interpretaciones equívocas: su torpeza no fue parcialidad ni equivocación». Fombona Fernández era assim atirado para o olho do furacão.
A polícia carrega
Pelo caminho, os adeptos madrilenos conluiam-se para criar um ambiente insuportável no jogo de Chamartín. As duas equipas entram em campo debaixo de um ruído pavoroso. Para os catalães havia um nunca mais acabar de insultos soezes e o tal trilar dos apitos comprados por las calles a preço de uva mijona.
É aqui que a figura de Franco passa a estar associada ao jogo. Havia uma ordem expressa para que a Guardia Civil impedisse confrontos físicos dentro e em redor de Chamartín. Enquanto os falangistas se acumulavam em redor do campo em poses ameaçadoras para com o inimigo catalão que a Guerra Civil derrotara, os dirigentes do Barça vinham a público declarar que a polícia tinha invadido os balneários da equipa, ameaçando os jogadores e caindo sobre o guarda-redes Luis Miró de forma intimidante. Ao intervalo, já o Real ganhava por 8-0; a partida terminou com uns inacreditáveis 11-1, golos de Pruden (3), Barinaga (3), Alonso (2), Alsúa (2) e Botella (1), contra um de Martín.
Um jovem jornalista de 23 anos, escreveu uma crónica no La Prensa com o título – Desgraciadamiente no Somos Perfectos. Nele, acusava a política de tomar conta do futebol e provocar antagonismos que poderiam matá-lo. Chamava-se José Antonio Samaranch e foi ‘convidado’ a abandonar a profissão e só voltou a poder escrever em jornais em 1952. Seria eleito em 1980 para o cargo de Presidente do Comité Olímpico Internacional. Franco já tinha morrido…