por José Miguel Fonseca
Arquiteto
3.O papel do arquiteto paisagista. Se assim Importa saber ler o Mundo e o Homem através da História escrita e cantada, procurando apreender os significados que as ações deste provocam naquele.
Mas para isso torna-se imprescindível ‘aprender a saber ler’, através de um processo de procura do ‘saber’ – que deve, a meu ver, passar também pelo ‘saber fazer’, com a prática a comprovar o conhecimento adquirido na formação teórica.
Vem isto a propósito do notável texto subscrito pela arquiteta Elsa Severino, titulado Os brasões da discórdia, publicado neste jornal no passado dia 27 de fevereiro.
O texto procurou dar a conhecer ao leitor a essência do que aqui se deve tratar, explicando, com clareza, que «as reservas técnicas das coleções coloniais resultantes das missões científicas aos trópicos… feitas também no período do ‘chamado Estado Novo’, e que têm servido de base para inúmeras teses de mestrado e doutoramento de cientistas portugueses e estrangeiros, não devem ser desprezadas». E, como afirmou ainda, «este passado não pode apagar-se da nossa História». E, afirmo eu, poder apagar-se pode, como andam alguns destes indivíduos a procurar fazer. Mas não deve.
Elsa Severino realçou a importância dos jardins botânicos, dos quais quero destacar o Jardim Botânico Tropical, ali tão perto da Praça do Império (também conhecido por Jardim Colonial e Jardim do Ultramar). Esses jardins já no reinado de D. João V constituíam «as universidades da vegetação arbórea e arbustiva», que vieram, no período chamado ‘do salazarismo’ a tornar-se nos espaços onde engenheiros agrónomos e outros técnicos se formavam antes de partirem para as colónias portuguesas de então – onde desenvolveriam uma ação assombrosa e exemplar, de entrega e de dedicação, que constituiu um dos suportes e contributos para o desenvolvimento desses territórios ultramarinos.
A arquiteta Elsa Severino quis dar a conhecer também o que alguns chamam, depreciativamente, de «flores, ou brasões florais».
Não sendo da época da Exposição do Mundo Português, estes brasões florais constituem-se como «conjunto em mosaico-cultura e invulgar pela realidade histórica que transmite – como que um mapa vegetal – mas também pela raridade nos jardins portugueses. O facto de terem sobrevivido sessenta anos confere-lhes um valor histórico e cultural que não deve ser desprezado e muito menos apagado».
E adiantou, a propósito: «Sabemos que as formas vegetais não são perenes, exigindo saber e dedicação continuada, além de algum investimento financeiro; quando tudo isto esmorece, o realismo do desenho morre rapidamente e a sua mensagem passa a ser o oposto do pretendido. Deduzimos que não há jardineiros à altura e que os meios financeiros escasseiam – e os símbolos representados passam a ser de má memória. Mas estes canteiros ornamentais não são menos importantes do que os brasões esculpidos na pedra; nós [esses senhores, digo eu] é que os tratamos com total falta de rigor botânico e sem rotinas de jardinagem».
Palavras sábias estas, de quem sabe do que trata. Pelo contrário, as palavras de outros, nos quais incluo governantes do poder tanto local como central, se pudessem ser ouvidas por D. João V, mostrar-lhe-iam como se tem degradado o quadro do saber e do conhecimento desde então aos dias de hoje. O desenvolvimento tecnológico (notável) serve, neste caso, para quê? Regamos as flores com computadores?
Este tipo de atitudes comportamentais, tanto da parte de componentes de júris de concursos como de técnicos especialistas e necessariamente de gestores da coisa pública, permitirá aos leitores perceber algo sobre aquilo que se vai passando na gestão autárquica de Lisboa, desde 1990 aos dias de hoje.
4.O papel do decisor público e os concursos de ideias
José Sá Fernandes, vereador da Câmara Municipal de Lisboa, promoveu um concurso público visando a reformulação dos Jardins da Praça do Império, preparou um programa, escolheu os elementos para o júri, que referenciou como independente, tendo como presidente Simonetta Luz Afonso.
Esta sua decisão resultou do facto de ter proposto a «remoção dos Brasões Florais da Praça do Império», inscrevendo essa ação nas obras de requalificação da mesma Praça, a qual foi aceite pela maioria da vereação do executivo camarário.
Em 24/02/2021, aparece em jornais diários: «Autores da petição recusam a retirada dos mesmos brasões» e «os proponentes da petição, reunidos com Fernando Medina e o vereador Sá Fernandes, chegaram a acordo para que aquela memória seja preservada na futura requalificação da praça». E ainda: «Esse acordo indicava que os proponentes da petição irão apresentar ao executivo camarário uma proposta para preservar os brasões, mesmo que não seja em formato de luxo…». Outras afirmações: «Há acordo. Brasões da Praça do Império vão ser preservados» e também «Brasões florais de Belém ainda não estão a salvo».Finalmente, José Sá Fernandes concluiu: «Deixem-me arranjar a Praça e depois logo se vê…».
Pergunto: este rol de afirmações significa o quê?
Para lá da ingenuidade dos autores da petição, este tipo de atitude enquadra-se no processo normalmente usado pelos dirigentes camarários para desmobilizar os que contestam as suas decisões: contam que o tempo de espera permitirá que tudo se venha a concretizar como eles entendem que ‘deve ser’. O que decidem é o que está certo. O que os outros pensam ou dizem não importa. Faz-se o que decidimos. Nós é que sabemos o que interessa às pessoas e aos cidadãos de Lisboa.
E quem decidiu assim age com o seguinte pressuposto: «É altura de reescrever a História de Portugal de uma ponta à outra, e de apagar as vergonhas que sobreviveram ao tempo, como brasões florais, monumentos, obras de arte e literatura preconceituosa e colonialista…». (20/02/2021 em artigo no Nascer do Sol)
Foi também dito: «Tirar daqui para fora estas imagens da ocupação colonial feita pelos portugueses esclavagistas desde há 500 anos a esta parte, que não honra o nosso bom nome…».
É isto o que pretende José Sá Fernandes, usando a sua qualidade de vereador dos jardins da Câmara Municipal de Lisboa?
Se é, quero deixar-lhe a seguinte sugestão:
Apresente uma proposta ao executivo municipal do seguinte teor:
«Eu, José Sá Fernandes, na qualidade de vereador dos jardins desta Câmara Municipal, proponho que sejam cortados em fatias todos os troncos das árvores tropicais raras de grande porte que existem no Jardim Botânico Tropical, que deverão, seguidamente, ser colocados em contentores e metidos em barcos. Estes deverão então sulcar os mesmos mares dantes navegados pelos portugueses [neste caso terá de ser usada letra minúscula, pois foi gente esclavagista] nos mesmos percursos pelos mesmos feitos [bastará, para esse efeito, consultar as Cartas Marítimas que também produziram durante 200 anos], de modo a que possam ser entregues nos sítios e terras de onde esses portugueses as roubaram».
Mas como José Sá Fernandes deve saber, pelas leituras que deve ter feito (?), esses esclavagistas portugueses de então, para além de trazerem escravos, especiarias e ouro, não podiam trazer essas árvores de grande porte. Traziam-nas em sementes ou estacas. Assim, para facilitar, a devolução dessas árvores poderá fazer-se desfazendo os troncos em pó. Seria menos pesado para o orçamento camarário.
O conhecimento e o saber, a meu ver, deveriam constituir uma exigência para a escolha dos gestores autárquicos.
Tomar decisões sobre diversos assuntos sem saber do que se trata – ou seja, não conhecendo nem querendo conhecer os seus fundamentos –, não merece qualificação por indigno. Mais grave se é feito à revelia dos legítimos interesses daqueles a quem deveremos servir, neste caso, os cidadãos da cidade de Lisboa.
Infelizmente, há muitos que não sabem ler, pois os seus pais não puderam dispor dos meios necessários para que pudessem frequentar a Escola.
José Sá Fernandes ainda está muito a tempo de procurar aprender a saber ler. Os livros estão à sua espera.
Se o quiser fazer, aprenderá o significado da identidade cultural de um povo como é o português.