O anúncio de uma nova e exclusiva ‘Superliga’ europeia por parte de doze dos maiores clubes do continente rapidamente virou debacle à medida que a semana progrediu. A ideia foi trabalhada em segredo e anunciada sem qualquer tato, o que levou a uma reação defensiva de vários quadrantes. A pressão foi tal que muitos dos fundadores se colocaram fora-de-jogo e o apito inicial não chegou a soar. Porém, as questões estruturais relativas a poder económico e competitividade desportiva que originaram a jogada mantêm-se, e a discussão poderá estar apenas no intervalo.
Tenho sérias dúvidas que o modelo Superliga apresentado será o molde de futuro para o futebol europeu, porém o conceito de competição exclusiva trata-se de uma simples formalização de um oligopólio que se formou nas últimas duas décadas. Um oligopólio formado por mega-clubes que representam a quase totalidade do produto ‘futebol-europeu’ que tem verdadeiro alcance global. Esta concentração de poder nasce muito devido à complacência do monopólio que gere o desporto-rei europeu – a UEFA – que fez vista grossa a práticas que iam distorcendo claramente a capacidade competitiva do futebol, capacidade essa que no desporto é O Produto em si.
Mesmo um país que ninguém poderá acusar de coletivismo – os EUA – percebe que o produto desporto só é cultivado por via de mecanismos que visam beneficiar a competitividade, prevenindo profilaticamente o aparecimento deste tipo de oligopólios. São abundantes os exemplos de tetos aos custos totais das equipas e sistemas de ‘drafting’ que visam distribuir novos talentos pela ordem inversa da última classificação, tudo isto para que a competição desportiva inicie cada época no maior pé de igualdade possível. As ações concretas devem ser adaptadas à modalidade e respetivo sistema de formação, porém o conceito de reequilíbrio competitivo é imperativo para evitar que apenas algumas equipas monopolizem a competição. Na Europa, a passividade para com clubes que se tornaram ultra competitivos por via de financiamento ilimitado vindo de novos donos, iniciou um processo de distorção competitiva que desembocou no atual oligopólio. O fair play financeiro, que impõe limites em termos de endividamento e perdas financeiras – foi a versão europeia dos tetos americanos que infelizmente chegou tarde demais e apenas recentemente cresceu reais garras sancionatórias. O oligopólio, porém, já estava consolidado.
Chegados a este ponto, onde apenas um grupo seleto de clubes representa o conteúdo que os espetadores globais pagam para ver, e considerando que a nata do futebol europeu atual – a Champions League – gera uns paupérrimos 3 mil milhões de euros de receitas anuais comparando com os quase 16 gerados pela competição de futebol americano NFL, o incentivo para criar um produto premium ficou uma escolha demasiado racional para os membros do oligopólio. As dificuldades trazidas pela pandemia em termos de corte de receitas tornaram esta realidade impossível de ignorar.
Contudo, se há algo que as violentas reações à Superliga demonstram é que o futebol na Europa não desempenha apenas a função de produto desportivo mas também a de quasi-serviço público, que é menos sensível à qualidade desportiva. Perante um oligopólio que foi permitido nascer e será muito difícil quebrar pós facto, o grande desafio para futuro será em que moldes poderão coexistir as componentes de serviço público para consumo interno e de produto premium para o mercado global.
Economista