Por Nélson Mateus e Alice Vieira
Querida Avó,
A crónica de hoje podia, e devia, ser dedicada aos 47 anos do 25 de Abril. No entanto, já falamos dos valores da Liberdade inúmeras vezes em crónicas anteriores. Já referi, mais do que uma vez, que o 25 de Abril era mais importante para o avô Alberto do que o 25 de dezembro para os cristãos.
Já falámos da censura, da PIDE, dos ‘bufos’, das proibições para tudo e mais alguma coisa, das limitações que tiveste no teu trabalho de jornalista, e tantas outras coisas. Até já referimos o quanto nos custa os mais jovens não saberem o que foi a Revolução dos Cravos.
Apetece-me falar da Ivone Silva. Que se fosse viva faria 86 anos. Partiu prematuramente, com apenas 51 anos, vítima de cancro na mama. Faz este ano 34 anos.
Os mais velhos recordam perfeitamente esta figura única e excecional. São tantas as minhas recordações de infância relacionadas com a grande Ivone Silva e o Camilo de Oliveira.
Certamente que também recordas o maravilhoso dueto no qual faziam de Agostinho e Agostinha, dois alcoólicos que criticavam a política e a sociedade da altura.
Penso que o programa tinha o nome de Sabadabadu e dava nos serões de sábado na RTP.
Lembras-te da rábula Olívia Costureira – Olívia Patroa? Um texto hilariante, e dos mais famosos, onde satirizava o auto emprego, e brincava com a dualidade de papéis de ser o patrão e o empregado.
Ao passarem na Freguesia do Campo Grande, em Lisboa, e na Freguesia da Senhora da Hora, em Matosinhos, podem encontrar a Rua Ivone Silva. Aproveitem para pesquisar e saber mais sobre a grande atriz e mulher defensora da Liberdade.
Querida avó, este teu neto está tão velho, que não se esquece de frases imortalizadas pela Ivone Silva como: «Com um simples vestido preto, eu nunca me comprometo».
O povo unido jamais será vencido. Ivone Silva foi certamente uma mulher do povo.
Viva a Liberdade!
Bjs
Querido neto,
Claro que podemos falar da Ivone Silva — mas na próxima crónica não te safas de falar no 25 de Abril. Entendido?
Conheci bem a Ivone Silva, fiz-lhe não sei quantas entrevistas — mas a frase que estou sempre a repetir é do dueto dela com o Camilo de Oliveira: «ai Agostinho, que rico vinho/ este país é um colosso/ está tudo grosso/ está tudo grosso!». Já sabes que eu, em se metendo vinho pelo meio… Produtora de vinho, é assim mesmo… (Só um parêntesis: Já bebeste uma garrafinha do meu “QC”? Não há melhor, garanto-te).
A Ivone até nem entrou muito nova para a revista: tinha 26 anos quando se estreou. Mas foi logo figura principal.
Mas o que eu penso que as pessoas mais velhas esqueceram (já nem falo dos mais novos, que nem devem saber quem ela foi…) foi o extraordinário trabalho dela como atriz dramática.
Eu própria me lembro de ter ficado espantada quando o Carlos Avilez me convidou para um espetáculo no Teatro Experimental de Cascais, e só me diz: «vais ter uma grande surpresa».
E tive.
O TEC apresentava o Auto da Alma e o Auto da Índia, e Ivone Silva fazia parte do elenco.
E ainda a vi representar Os Dois Verdugos de Arrabal, e a Andorra de Max Frisch. Tive muita pena de não a ter visto em Feliz Natal, Avozinha, em que teve o Prémio da Crítica.
A revista Cá Estão Eles, estreada no Teatro Laura Alves em 1987, foi a última peça em que entrou. E lembro-me que, quando a entrevistei nessa altura, sempre que se penteava, só dizia: «dói-me tanto quando levanto o braço…».
Morreu nesse ano, com um cancro da mama, atacado muito tardiamente, quando já não havia nada a fazer.
Creio que a RTP tem uma gravação do monólogo Feliz Natal, Avozinha. Talvez não fosse má ideia a RTP-Memória apresentá-lo, e mais algumas gravações de quadros de revista que ela interpretou.
Até a ti te fazia bem…
25 de Abril sempre!
Viva a Liberdade. Bjs