O conceito da Fórmula E não tem nada que saber: ao fim de semana, os bólides sofisticados, modernos e rápidos movidos pela pista (com apontamentos urbanos) a baterias elétricas fazem as delícias dos aficionados; à segunda-feira, as marcas contam que esses mesmos aficionados, impressionados com o que viram na véspera, corram ao stand mais próximo para comprarem um carro novo movido a energia ‘verde’.
A etapa dupla do mundial de Fórmula E no circuito Ricardo Tormo, em Valência (Espanha), não foi, porém, uma boa promoção para a modalidade… e muito menos para o mercado dos elétricos – e o português António Félix da Costa, campeão mundo em título, acabou por emergir (ou submergir) como protagonista involuntário de uma sucessão de acontecimentos que atribuiu características insólitas à última volta da corrida de sábado.
Félix da Costa preparava-se para levar o seu monolugar da DS Techeetah à vitória, após controlar a corrida da primeira à última curva, mas devido a uma mão cheia de acidentes e incidentes, muito por culpa da chuva que nesse dia caiu abundantemente naquela cidade do país vizinho, o safety car (conduzido pelo português Bruno Correia) foi chamado à ação por diversas vezes e, em cada uma delas, a direção da corrida decidiu retirar a cada piloto 5 kWh às baterias (com capacidade para 50 kWh) – uma das especificidades regulamentares desta modalidade.
Nem o mais experimentado adepto de Fórmula E esperaria a singularidade de acontecimentos que se seguiriam: meio pelotão a circular devagar e outro meio devagarinho. Na última volta, Félix da Costa foi de trambolhão em trambolhão do 1.º ao 7.º lugar, numa lista que contou para 12 concorrentes, enquanto os restantes 12 foram eliminados ou desclassificados por falta ou utilização excessiva de energia. Nyck de Vries (Mercedes) beneficiou das circunstâncias invulgares e alcançou uma vitória inesperada.
Troca de acusações No final, o piloto português era o rosto do desalento. E não poupou nas palavras: “Este não é, obviamente, o tipo de final que um adepto de desportos motorizados quer ver, independentemente do nome do vencedor”, afirmou. “Admito que sofri um duro golpe, difícil de engolir. Foi um dia perfeito, seja em pista seca ou à chuva, conseguimos alcançar tudo na perfeição antes de iniciarmos esta última volta, pelo que sim, dói muito”, admitiu.
Também Thomas Chevaucher, o novo diretor da DS Performance, lamentou o desfecho: “É obviamente uma grande desilusão para nós porque os nossos carros mostraram-se muito eficientes (…) o António foi muito rápido na qualificação e muito eficiente na corrida. Este resultado não reflete a nossa força, sendo resultado de um mal-entendido entre o diretor de prova e os estrategas da equipa. Claro que o diretor de prova tem a opção de reduzir o volume de energia após uma neutralização com um safety car, mas não é uma obrigação (…) não esperávamos esta inapropriada retirada de energia. Este mal-entendido conduziu a esta situação lamentável”.
A direção da prova, no entanto, foi lesta a defender as regras da prova e a apresentar outra versão para o sucedido, atribuindo culpas a… Félix da Costa. “Sabemos que a gestão da energia é fundamental para o nosso campeonato e é claramente um desafio que todos temos de enfrentar (…) com certeza, a escolha do piloto líder [Félix da Costa] naquele momento mudou claramente as coisas para a maioria dos pilotos que tiveram uma abordagem menos conservadora do que os outros e atravessaram a linha de meta alguns segundos antes do fim do tempo [as corridas de Fórmula E são de 45 minutos e mais uma volta], o que acrescentou uma volta e mudou as circunstâncias para a maioria dos pilotos”, disse Frederic Bertrand, diretor de Fórmula E e projetos desportivos inovadores da FIA. Numa primeira reação as estas palavras, Félix da Costa disse “não poder aceitar isso”.
22.º na segunda corrida O fim de semana em Valência era o palco esperado para a primeira vitória do português ou, pelo menos, para a possibilidade deste relançar a sua candidatura ao bicampeonato, mas nada disso ocorreu. Ontem, as coisas não correram melhor e Félix da Costa fechou a etapa de Valência com um modesto 22.º lugar na segunda corrida (a vitória sorriu ao britânico Jake Dennis, da BMW). Ou seja, zero pontos no conjunto das mãos. Para esquecer.