O tema da vacinação continua e continuará a ser notícia até toda a população estar vacinada. É raro o dia em que não sou chamado a dar o meu parecer junto de doentes ou a desfazer dúvidas, sempre que me é pedida opinião como profissional de saúde.
Num destes dias fui abordado por um doente que me perguntou por que razão eu não escrevia um artigo sobre o assunto. Segundo dizia, «há muita coisa que não se percebe», acrescentando com uma certa ironia: «São os chamados mistérios da vacinação». Achei a expressão curiosa, parecendo revelar algum desconhecimento, para não dizer desconfiança, em relação ao tema.
Entendendo ser meu dever elucidá-lo, perguntei-lhe: «Quer ouvir-me?». E, perante a resposta afirmativa, fui-lhe dizendo:
Em primeiro lugar, temos que ver que as vacinas vão chegando aos poucos e nunca as recebemos de uma só vez.
Depois, como todo o processo passa obrigatoriamente pelos centros de saúde, há muita gente que, por dispor de outros subsistemas de saúde, nem sequer está inscrita nas unidades ou tem os seus dados desatualizados. Ora, não ser utilizador dos serviços do Estado, não invalida o dever de ter lá a sua inscrição, seja em que circunstância for. Quem não está inscrito, é como se não existisse – o que pode ser um fator de atraso na convocatória. Oxalá todos entendam esta realidade, e quem estiver nesta situação irregular deve regularizá-la quanto antes.
Seguidamente vem o grupo daqueles que, apesar de terem tudo regularizado, revelam desconfiança, têm dúvidas e medos em relação à vacinação – levando-os por vezes a desistir de serem vacinados. É o reflexo do excesso de informação que lhes entra pela casa dentro e só serve para os lançar na confusão. Neste contexto, e seguindo o parecer dos especialistas, só devem ouvir-se os noticiários uma vez por dia, pois o excesso de informação em pessoas que não estão preparadas cientificamente para a receber traduz-se, na prática, por uma desinformação. Quando surgirem dúvidas, é ao médico assistente que deverão recorrer e seguir as suas indicações.
Por último, temos o grupo mais polémico, o das prioridades para a vacinação. Todos concordamos com elas, embora alguns critérios possam ser discutíveis. Uma questão, porém, me ocorre colocar: se, antes de as vacinas terem chegado ao nosso país, foi constituído um grupo de trabalho para estudar e analisar todos esses casos, qual a razão para constantemente estarem a ser introduzidas alterações? Isso explica em grande parte os atrasos nas convocatórias, e acaba por gerar controvérsia – pois uns sentem-se ‘filhos’ e outros ‘enteados’. Já li neste jornal um comentário elucidativo que humoristicamente punha ‘o dedo na ferida’: «Com tantas prioridades, não era melhor fazer uma lista dos que não são prioritários?».
Reconheço que não é fácil agradar a todos e imagino o trabalho que os nossos dirigentes terão para não excluir ninguém em risco, nem deixar de fora quem deve mesmo receber a vacina prioritariamente. Por outro lado, é bom não esquecer a opinião dos vacinados, que tecem os maiores elogios à organização dos serviços independentemente do local onde foram vacinados, o que muito me apraz registar.
Assim, é preciso saber esperar com paciência e sem ansiedade. Haverá vacinas para todos. Ninguém será esquecido. Dentro de algum tempo atingiremos a imunidade de grupo.
Em silêncio, o homem ouviu as minhas explicações. Ficou esclarecido? Acho que sim. Convencido? Disso não tenho a certeza. Penso, no entanto, que naquele momento contribuí para ajudar um ser humano sequioso de ajuda e de uma palavra de esperança. A missão do médico é estar onde é preciso, ou seja, ao lado do seu doente.
Em conclusão, as normas são estas. Há que respeitá-las e proceder conforme nos é exigido para bem de todos. Mas, como em tudo na vida, há sempre situações que nos escapam, de que não percebemos bem o ‘porquê’, e por vezes nem conseguimos encontrar para elas explicação.
São as tais ‘exceções à regra’, como vulgarmente se diz, e somos ‘obrigados a aceitar’. Não estarão incluídos neste setor os ditos ‘mistérios da vacinação’?