Uma catástrofe anunciada no metro da Cidade do México

Caíu um dos troços mais recentes do metro da capital mexicana, cuja construção esteve rodeada de suspeitas de corrupção desde o início.

As 5,5 milhões de pessoas que todos os dias utilizam o metro da Cidade do México sabem que, se tivessem estado no lugar errado à hora errada, poderiam ter sido elas a precipitar-se para a morte, quando a viga de um viaduto cedeu, à passagem de uma carruagem, na linha 12, entre a estação de Olivos e Tezonco, no sudeste da capital mexicana. Pouco depois das 22h de segunda-feira, 4h da manhã de ontem em Portugal, a estrutura derramou-se sobre a avenida Tláhuac, atingindo automobilistas em choque, projetando os passageiros do metro, deixando dezenas encarcerados. Pelo menos 23 nunca chegarão a casa. E mais de 70 outros ficaram feridos. 

No meio do caos, uma multidão afluiu ao local, entre uma correria aos hospitais, que estiveram todo o dia cheios de gente desesperada, que não sabia dos seus entes queridos. Mas que tinha noção que a sua comuta diária passava pela linha 12.

“Não me dão informações, mas preciso de saber do meu filho. Não está na lista de feridos, vão buscar a de cadáveres”, soluçou Marisol Tapia, de 28 anos, impedida de entrar na estação de Olivos por um cordão policial. Falara por telemóvel com o seu filho, Brandon Geovanni, de 13 anos, e o seu marido, Rigoberto García, de 28, cinco minutos antes do desastre, a que assistiu na televisão, contou a um repórter do El País Mexico. Entretanto, o telemóvel deixou de chamar.

Já no hospital Belisario Roldán, onde de 15 em 15 minutos se gritava o nome dos feridos que estavam a receber cuidados médicos, havia dezenas de pessoas à porta madrugada fora. “Deem-nos informações, são os nossos familiares”, gritou-se, a plenos pulmões, à passagem da procuradora-geral da Cidade do México, Ernestina Godoy, que não abriu a boca.

“O povo do México tem que conhecer toda a verdade, não se lhe vai ocultar nada”, prometeu umas horas depois o Presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, em conferência de imprensa, prometendo uma investigação a fundo do sucedido. E que “não vai haver impunidade para ninguém”. 

 

Síndrome de Cassandra Esta tragédia não aconteceu por falta de avisos. Há anos que moradores locais se queixam das más condições desta linha de metro, das sequelas visíveis do terramoto de 2017, partilhando imagens das fendas deixadas nos pilares nas redes sociais.

“Era bem sabido que a linha não estava bem”, lembrou José María Bautista Vázquez, um utente regular da linha 12, que, naquele momento, ainda procurava o seu filho, em declarações ao canal Milenio. “Fazia uns barulhos que dava medo”.

No entanto, os problemas da linha 12, uma das mais recentes da cidade, construída por um consórcio que incluía a Carso Infraestructura y Construccion, propriedade do magnata Carlos Slim, vinham bem de trás. Dois anos depois da inauguração, em 2014, já se detetavam falhas no desenho e construção da estrutura, e deterioração prematura.

Ao mesmo tempo, o custo da obra fora mantido em segredo, estimando-se que se gastara mais 50% que o planeado, segundo o La Silla Rota. Aliás, o projeto da linha 12 seria alvo de um inquérito parlamentar nesse ano, resultando na detenção de uma mão cheia de dirigentes do metro, devido a irregularidades nos concurso públicos, como pagamento de trabalhos não realizados, lembrou o Universal.

Os destroços políticos da linha 12, apelidada como “linha dourada” pelo seu grande impulsionador, Marcelo Ebrard, então chefe de executivo da capital, podem muito bem vir a cair sobre o Governo de Obrador – do qual Ebrard faz parte, como ministro dos Negócios Estrangeiros.

No entanto, por agora, os únicos destroços que interessam aos moradores da Cidade do México são aqueles que enchem a avenida Tláhuac. À hora do fecho desta edição, ainda havia pelo menos quatro cadáveres dentro das carruagens, sem que as autoridades os conseguissem resgatar, por temerem o colapso total do viaduto, enquanto gente desesperada continua a vasculhar aos hospitais.