por A.P.G
A história é contada no suplemento de fim de semana do diário Financial Times de 17 de Abril, sob o título “The Chinese billionaire who got too big”.
Jack Ma, hoje na casa dos cinquenta, corporiza uma daquelas histórias de sucesso capitalista que impressiona qualquer um que as oiça, em qualquer tempo e qualquer geografia. Só que Ma nasceu na China comunista, no tempo de Mao Tsé-Tung e da Revolução Cultural.
Começou por aprender inglês, por ser guia turístico e fundar uma start-up. Que cresceu de modo surpreendente, como muita coisa crescia na China da volta do século XX para o século XXI.
Em poucos anos, Alibaba tornou-se uma das marcas mais famosas da RPC e uma das suas maiores companhias. Isso deu-se também nos anos do Governo de Hu Jintao que, como Presidente da República e Secretário Geral do Partido Comunista, governou a China entre 2002 e 2012. Como o seu predecessor, Jiang Zemin, tinha governado entre 1992 e 2002. Ambos governaram dentro das regras estabelecidas por Deng Xiaoping, o homem que assumira o poder após a morte de Mao Tsé-Tung e criara uma regra de convivência entre a elite comunista: o equilíbrio de poderes dentro da Comissão Permanente do Partido para evitar tiranias do tipo da maoista, que se transformara num poder arbitrário em que, na Revolução Cultural atacara muitos quadros poderosos e suas famílias, que tinham sido saneados, humilhados, presos e, em alguns casos, mesmo mortos.
O sucessor de Hu Jintao, Xi Jinping, vinha de uma destas famílias privilegiadas, perseguidas pelos Guardas Vermelhos, sob a instigação de Mao. O próprio Xi fora exilado para uma remota aldeia do interior e obrigado a trabalhar no campo. O pai e ele foram depois reabilitados e, com a morte de Mao voltaram à normalidade e ao prestígio de quadros importantes.
Xi, Secretário Geral e Presidente da República desde 2013, iniciou uma estratégia que, em poucos anos, o transformou no líder da RPC. Deixou de ser um primus inter pares, demonstrando progressivamente o seu poder. Enquanto Jiang Zemin e Hu Jintao tinham sido mais gestores do “milagre económico” e da expansão de negócios, conservando internamente todos os equilíbrios, Xi, usando o princípio das práticas anti corrupção, foi neutralizando activos ou possíveis rivais.
Assim aconteceu com o membro da Comissão Executiva Permanente do Politburo do PCC, Zhou Yong Kang, um homem todo-poderoso que tinha sido Ministro do Interior e, patrão dos Serviços de Segurança do Estado, que a partir de 2014 foi investigado, julgado e condenado. Zhou era um “Tigre”, isto é, um corrupto importante. Na linguagem do Partido, os “Tigres” são os corruptos importantes; as “Moscas”, os pequenos e médios corruptos.
Xi escolheu bem os “Tigres”, procurando que fossem também figuras representativas de instituições que queria vigiar e controlar, como os militares, ou então grupos de influência das províncias.
Quanto ao sector privado e aos milionários e multimilionários gerados pelas três décadas de capitalismo de direcção central, Xi teve a preocupação de lhes mostrar quem manda. E quem manda é o Partido, que manda no Estado, e o Estado que manda na Economia.
Quando Jack Ma, confiante na sua estrela de figura do jet-set financeiro internacional, de íntimo de líderes políticos em Davos e de estrelas do showbusiness, se atreveu, em declarações em Xangai, a criticar os “reguladores”, acusando-os de darem preferência ao sector público em detrimento do sector privado, foi chamado às autoridades competentes. E desapareceu da vista do público durante muitas semanas. Como há uns anos acontecera ao então presidente da Fosum.
Se fosse noutros tempos, não reapareceria. Mas Xi não é um tirano como Mao. É um líder, é o líder e quer que se saiba que é ele e o Partido quem mandam, e que quem se mete com eles leva.
Jack Ma acabou por aparecer, numa actualidade online, numa pequena aldeia remota, com um ar triste, numa reunião de professores primários locais. Estava vivo, com saúde, mas todos viram e perceberam a humilhação. A sua oferta pública nas bolsas de valores foi suspensa. Terá perdido uns biliões de Dólares, dos muitos que tem. E serviu de exemplo a outros capitalistas. Dentro e fora da China.