Os Maias (nova versão autorizada)

Nesta nova versão de Os Maias é recriado o jantar no Hotel Central em que participam Carlos da Maia, João da Ega, Tomás de Alenquer, Jacob Cohen e Maria Eduarda (para não haver exclusões sexistas). Dâmaso Salcede é excluído devido às suas tendências fascistas.

por João Cerqueira
Escritor

Os convivas estão numa zona privada a degustar ostras e champanhe. De repente, Maria Eduarda levanta-se.

– Ei, malta! Não convidamos nenhum negro, nenhum cigano, nenhum islâmico, nenhum gay ou transsexual. E, além disso, eu sou a única mulher. Temos o dever de dar o exemplo e educar o povo. Afinal, somos chiques ou labregos?

Carlos sorri.

– Tens razão, maninha. Para a próxima, temos de convidar alguém dessas minorias oprimidas pelo patriarcado branco. Ficam sempre bem num jantar de gente fina.

Ega, Cohen e Alenquer gritam.

– Apoiado! Bravo!

Carlos passa a mão na barba e franze o cenho.

– Mas… não temos nenhum amigo de minorias oprimidas. Não conhecemos ninguém assim que seja chique, pois não?

Ega leva a mão à testa.

– Meninos, temos um problema.

Brilham os olhos negros de Maria Eduarda.

– Já sei, obrigamos o Dâmaso Salcede a mudar de religião e a tornar-se gay ao mesmo tempo.

Ega, Cohen e Alenquer gritam.

Apoiado! Bravo!

Carlos prossegue.

– Essa cavalgadura é um bocado reaccionária, mas nada que umas bengaladas não resolvam .

É então que Alenquer se levanta e respira fundo.

– Camaradas, vou aproveitar este momento para vos fazer uma confissão. Pretendo mudar de sexo e tornar-me uma mulher. A partir de agora, chamem-me Rosália de Castro.

Carlos, Ega e Cohen gritam.

– Apoiado! Bravo!

Maria Eduarda pega-lhe na mão com ternura.

– Estou tão orgulhosa de ti, Rosália. Quando começares a ter a menstruação, eu ensino-te o que deves fazer. E depois vamos as duas às compras ao Chiado e tomar um capilé na Brasileira.

Rosália de Castro prossegue.

– Vou viver em união de facto com a minha sopeira, perdão chef de cozinha e agora companheira, a Guilhermina, e vamos adoptar um refugiado do Médio Oriente.

Entusiasmado, Ega propõem um brinde.

– Boicote a Israel!!

Cohen abre a boca, estupefacto, mas os restantes gritam.

– Apoiado! Bravo!

Maria Eduarda toca no braço de Carlos.

– Olha, nós também podíamos meter na nossa cama uma mulher do povo, analfabeta e peluda. Ou então, o cocheiro.

– Vamos ver… – diz Carlos.

Ega prossegue.

– Calma maninhos, agora que já temos amigos de minorias oprimidas vamos tratar de outros assuntos. E se fundássemos uma organização de combate ao racismo, sexismo e outras coisas catitas? Uma coisa chique à brava.

Maria Eduarda exclama.

– Que ideia gira. Mas podemos deixar de fora do racismo os brasileiros como o Castro Gomes? E excluir do sexismo a Gouvarinho?

– Apoiado! Bravo!

Rosália de Castro intervém.

– Eu, como mulher oprimida, branca, mas oprimida na mesma, proponho que comecemos pela literatura. Vamos tratar do Camões e emendar os seus infames Lusíadas.

Ega toma a palavra.

– Ui menina, isso vai dar muito trabalho. E depois, se começamos a emendar as partes racistas, machistas e contra os defensores do clima, só ficam meia dúzia de páginas. O melhor é queimar aquela versalhada toda.

Maria Eduarda torce o nariz.

– Deixemos ficar a paixão de Camões por Dinamene. A ilha dos amores é uma apologia repugnante da submissão sexual da mulher, mas o soneto a Dinamene não tem mal nenhum. Pelo contrário, promove o amor inter-racial, a mestiçagem e o encontro de culturas.

Ega concorda.

– Muito chique. Eu, uma vez conheci uma chinesa num bordel em Paris que nem vos conto meninos…

Maria Eduarda e Rosália de Castro gritam.

– Ega, tu vais às putas?

Maria Eduarda pega-lhe numa orelha.

– Levanta-te imediatamente porco, tarado sexual, violador. E agora pede desculpa a todas as mulheres do mundo.

Rosália de Castro agarra numa faca afiada.

– Estás a ver Ega, a pila é o teu maior inimigo.

Preso pela orelha, e temendo o que as duas possam fazer com aquela faca, Ega pede perdão pelos seus actos.

Carlos e Cohen entreolham-se atrapalhados e pigarreiam. Maria Eduarda olha para Carlos desconfiada. Carlos tenta afastar este momento embaraçoso levantando o copo de champanhe.

– Boicote a Israel!

João Cerqueira
joomcerqueira@gmail.com