por João Cerqueira
Escritor
Os convivas estão numa zona privada a degustar ostras e champanhe. De repente, Maria Eduarda levanta-se.
– Ei, malta! Não convidamos nenhum negro, nenhum cigano, nenhum islâmico, nenhum gay ou transsexual. E, além disso, eu sou a única mulher. Temos o dever de dar o exemplo e educar o povo. Afinal, somos chiques ou labregos?
Carlos sorri.
– Tens razão, maninha. Para a próxima, temos de convidar alguém dessas minorias oprimidas pelo patriarcado branco. Ficam sempre bem num jantar de gente fina.
Ega, Cohen e Alenquer gritam.
– Apoiado! Bravo!
Carlos passa a mão na barba e franze o cenho.
– Mas… não temos nenhum amigo de minorias oprimidas. Não conhecemos ninguém assim que seja chique, pois não?
Ega leva a mão à testa.
– Meninos, temos um problema.
Brilham os olhos negros de Maria Eduarda.
– Já sei, obrigamos o Dâmaso Salcede a mudar de religião e a tornar-se gay ao mesmo tempo.
Ega, Cohen e Alenquer gritam.
Apoiado! Bravo!
Carlos prossegue.
– Essa cavalgadura é um bocado reaccionária, mas nada que umas bengaladas não resolvam .
É então que Alenquer se levanta e respira fundo.
– Camaradas, vou aproveitar este momento para vos fazer uma confissão. Pretendo mudar de sexo e tornar-me uma mulher. A partir de agora, chamem-me Rosália de Castro.
Carlos, Ega e Cohen gritam.
– Apoiado! Bravo!
Maria Eduarda pega-lhe na mão com ternura.
– Estou tão orgulhosa de ti, Rosália. Quando começares a ter a menstruação, eu ensino-te o que deves fazer. E depois vamos as duas às compras ao Chiado e tomar um capilé na Brasileira.
Rosália de Castro prossegue.
– Vou viver em união de facto com a minha sopeira, perdão chef de cozinha e agora companheira, a Guilhermina, e vamos adoptar um refugiado do Médio Oriente.
Entusiasmado, Ega propõem um brinde.
– Boicote a Israel!!
Cohen abre a boca, estupefacto, mas os restantes gritam.
– Apoiado! Bravo!
Maria Eduarda toca no braço de Carlos.
– Olha, nós também podíamos meter na nossa cama uma mulher do povo, analfabeta e peluda. Ou então, o cocheiro.
– Vamos ver… – diz Carlos.
Ega prossegue.
– Calma maninhos, agora que já temos amigos de minorias oprimidas vamos tratar de outros assuntos. E se fundássemos uma organização de combate ao racismo, sexismo e outras coisas catitas? Uma coisa chique à brava.
Maria Eduarda exclama.
– Que ideia gira. Mas podemos deixar de fora do racismo os brasileiros como o Castro Gomes? E excluir do sexismo a Gouvarinho?
– Apoiado! Bravo!
Rosália de Castro intervém.
– Eu, como mulher oprimida, branca, mas oprimida na mesma, proponho que comecemos pela literatura. Vamos tratar do Camões e emendar os seus infames Lusíadas.
Ega toma a palavra.
– Ui menina, isso vai dar muito trabalho. E depois, se começamos a emendar as partes racistas, machistas e contra os defensores do clima, só ficam meia dúzia de páginas. O melhor é queimar aquela versalhada toda.
Maria Eduarda torce o nariz.
– Deixemos ficar a paixão de Camões por Dinamene. A ilha dos amores é uma apologia repugnante da submissão sexual da mulher, mas o soneto a Dinamene não tem mal nenhum. Pelo contrário, promove o amor inter-racial, a mestiçagem e o encontro de culturas.
Ega concorda.
– Muito chique. Eu, uma vez conheci uma chinesa num bordel em Paris que nem vos conto meninos…
Maria Eduarda e Rosália de Castro gritam.
– Ega, tu vais às putas?
Maria Eduarda pega-lhe numa orelha.
– Levanta-te imediatamente porco, tarado sexual, violador. E agora pede desculpa a todas as mulheres do mundo.
Rosália de Castro agarra numa faca afiada.
– Estás a ver Ega, a pila é o teu maior inimigo.
Preso pela orelha, e temendo o que as duas possam fazer com aquela faca, Ega pede perdão pelos seus actos.
Carlos e Cohen entreolham-se atrapalhados e pigarreiam. Maria Eduarda olha para Carlos desconfiada. Carlos tenta afastar este momento embaraçoso levantando o copo de champanhe.
– Boicote a Israel!
João Cerqueira
joomcerqueira@gmail.com