A utilização de plataformas de e-commerce disparou durante os períodos de confinamento. De um momento para o outro passámos a comprar tudo o que podíamos on-line, incluindo produtos frescos e outros perecíveis. De um momento para o outro deixámos de ter medo de usar o cartão de crédito on-line e de achar que tudo o que compramos pela net não corresponde ao que encomendámos. Parece que, de um momento para o outro, mudámos radicalmente. Será?
Ao contrário do marketing que não cria necessidades – ideia estabelecida, discutível – um vírus potencialmente mortal cria. E cria de um momento para o outro. Não precisamos de elaborar um grande raciocínio para concluirmos que a necessidade de nos alimentarmos é mais importante do que a de protegermos o cartão de crédito das ameaças da internet. E que as há, podemos ter a certeza. A covid-19 teve um impacto acelerador na utilização de canais digitais, venceram-se barreiras mais depressa, democratizou-se o acesso ao e-commerce.
Em tão poucos setores se sentiu tanto o impacto da transferência para os canais digitais canal como no retalho alimentar. Na Europa Ocidental verificou-se um aumento superior a 40% no número de novos utilizadores e um crescimento do volume de negócios na ordem dos 75%. As pessoas aderiram, em grande parte por falta de alternativas. E agora, com as diferentes opções disponíveis, como vai ser? Sabemos que os consumidores portugueses valorizam a ida ao supermercado, tocar na fruta para lhe sentir o sabor. Mas o fenómeno da compra on-line é irreversível.
Seguem-se tempos desafiantes, tempos de encontrar novas formas de desenvolver os negócios. Se até à pandemia o retalho alimentar evoluiu para o digital, cada marca à sua maneira, mas todas mantendo a loja física como âncora do negócio, a realidade dos dias hoje é diferente. Ainda não é igualmente rentável vender no digital e no físico. Mas rapidamente poderá deixar de ser assim.
As características, vantagens, do comércio on-line podem tornar-se dominantes num futuro próximo. A temática dos dados é omnipresente, as evoluções na forma como lidamos com a informação, desde a recolha à análise e extração de insights são tantas que se torna difícil acompanhar. E quem não gosta da facilidade de horários, de não ter de esperar nas filas para as caixas e poupar umas voltinhas no parque de estacionamento à procura de lugar para estacionar o carro?
As abordagens phygital e omnicanal tornam-se cada vez mais relevantes. É o caminho para para garantir uma experiência consistente em todos os momentos de interação com as marcas. Entregar esta experiência passa por conciliar a ação de cinco dimensões: comércio em qualquer lado, entretenimento, diferentes formas de vender, propósito e conhecimento dos consumidores (Accenture, 2021).
Estas dimensões estão interligadas, complementam-se, todas contribuem para enriquecer a experiência do utilizador e do próprio negócio. Ao considerarmos a dimensão entretenimento, precisamos de conhecer o consumidor para garantir a sua relevância. O mesmo quando pensamos na capacidade de comprar em qualquer lado, que implica equacionar diferentes formas de vender e entregar produtos. A proposta de valor e os investimentos da marca na afirmação do seu posicionamento, devem estar completamente alinhadas com o seu propósito, sob pena de serem rejeitadas pelos consumidores.
A grande incógnita é perceber que tipo de consumidor vamos ter no cenário pós-pandémico, o que mudou. No último ano e meio vivemos de maneira diferente, conhecemos muitas novidades mas também fizemos muitas cedências. Selecionámos relações e mudámos o modo de nos relacionarmos com os outros, pessoas e instituições, Vamos precisar de tempo para conseguirmos estabelecer novos padrões de consumo e adaptar as estratégias comerciais a novas exigências. Como em tudo, só o tempo dirá como se comportarão os consumidores nos tempos mais próximos e nos mais distantes também. Para já agilidade, capacidade de adaptação e reação à mudança. Porque o que tudo indica é que vamos lidar com novos tipos de consumidores, sobre os quais ainda sabemos muito pouco. E eles também.
Senior Manager da Accenture Interactive