Há muito que várias pessoas veem o seu bem-estar e saúde mental comprometidos, em parte, devido ao trabalho. Ou porque é demasiado, seja em quantidade ou tempo, porque implica a convivência com pessoas complicadas, porque é muito exigente, pouco reconhecido, porque gera situações conflituosas, etc.
Infelizmente, se esta tendência já vinha a aumentar, com os confinamentos e teletrabalho a situação piorou bastante. Nos últimos tempos foi diagnosticado a vários amigos que percebíamos que já estavam no limite da exaustão, burnout e estão de baixa médica. Um ano depois de a OMS ter incluído o stresse profissional na classificação internacional de doenças, já lhe gastámos o nome.
Infelizmente nunca conheci muitas pessoas que se sentissem totalmente felizes ou realizadas no trabalho e muitas referem que gostariam de ter uma outra ocupação que lhes desse mais prazer. O que sempre me fez pensar que talvez a vida profissional devesse ser idealizada noutros moldes. Parece que a maioria das pessoas encaram o trabalho como um castigo, uma sina, uma cruz que têm de levar às costas para pagar as contas que caem em catadupa desde que nos tornamos independentes. Acontece que o tempo de trabalho é demasiado para ser suportável desta forma e acaba por condicionar toda a vida. Ainda mais agora que o teletrabalho invade a nossa casa e a nossa família. Em que não há limites, acordamos e deitamo-nos com o patrão e as tarefas em atraso, o tempo de almoço deixa de existir, como os horários, o convívio com os colegas, o tempo de reflexão e privacidade que tínhamos pelo caminho para o emprego – e às vezes até os nossos sonhos durante a noite são ocupados pelas preocupações que trazemos, já para não falar na dificuldade de trabalhar com crianças em casa, sobretudo ao final do dia quando já estamos todos muito cansados. Com tudo isto vamos notando, aqui e ali, que algumas pessoas estão mais ansiosas e menos felizes.
Há muitos trabalhos demasiado exigentes física ou intelectualmente que podiam ser aliados com outros mais prazerosos. Quase toda a gente tem um desejo reprimido de alguma ocupação que idealiza, e que muitas vezes imagina que guardará para a reforma ou para a outra vida. Mas talvez pudesse ser conciliável. Ou mesmo a curiosidade por um curso diferente, por aprender matérias novas, escrever um livro, pintar, ou ter mais tempo para a família e para os filhos, que muitas vezes crescem quase sozinhos entre empregadas, ATLs e atividades.
Muitas vezes parece que não conseguimos ser honestos connosco e passamos a vida num engano. Isso torna-se muitas vezes insuportável, ao ponto de adoecermos. Ser feliz no que se faz não devia ser um ideal, mas a norma. Temos de ser mais audazes neste aspeto e não nos podemos deixar asfixiar e acorrentar pelo que estamos acostumados mas já não queremos. É importante permitirmo-nos parar para pensar sem medo no que gostaríamos efetivamente de fazer, analisar, ponderar, sonhar e arranjar soluções para uma vida mais completa, que esteja mais de acordo com aquilo que idealizamos. Infelizmente não vivemos no país das oportunidades, mas não devemos deixar passar a vida sem arriscar o que nos faria mais felizes. Até porque mesmo que houvesse outra vida, provavelmente agiríamos da mesma forma. O melhor é termos a audácia de pensar no agora, perseguir os nossos sonhos e não nos deixarmos acomodar. Esta vida é o que temos de mais precioso e a única certeza que temos é que um dia vai acabar. Como a queremos realmente aproveitar até esse dia?