Por Filipe Anacoreta Correia
A semana foi marcada pelo ‘Congresso das Direitas’. Um evento organizado em Lisboa pelo Movimento Europa e Liberdade. Durante dois dias, ouviram-se oradores e os líderes dos quatro partidos PSD, CDS, IL e Chega. Paralelamente ao evento, vários programas de comentário político e artigos de opinião aproveitaram a circunstância para ecoar as intervenções e tirar as medidas à Direita. Em suma, as conclusões mais comuns foram as seguintes: a Direita não se entende, não tem liderança e procura por novo fôlego. Pedro Passos Coelho foi o presente cuja ausência foi mais sentida, como uma sombra desejada num por vir sem data marcada.
Vale a pena olhar um pouco para isto tudo.
A ideia de um ‘Congresso das Direitas’ é, desde logo, uma ideia bizarra. Em primeiro lugar, porque não há uma direita, mas muitas forças à direita do PS e todas elas se disputam mutuamente. É tão bizarra como seria a ideia de um ‘Congresso das Esquerdas’. Alguém imagina um evento político com António Costa, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa e Joacine Katar Moreira? O facto de à Esquerda os partidos se digladiarem – e digladiam –, não os impede de negociarem políticas e viabilizarem soluções de governo.
E essa deveria ser a primeira coisa que a Direita deveria perceber: se quer convergir a final, tem de divergir à partida.
A confusão inicial perturba mais os espaços uns dos outros do que os promove no seu conjunto.
Não é por acaso que à Esquerda os partidos mais pequenos temem ser fotografados com o partido maior. Em regra, a partilha de palcos ameaça sobretudo os mais pequenos. Já à Direita sucede exatamente o contrário: quem revela maior desconforto com este ensemble é o PSD que teme ser nivelado por baixo ao aparecer com os outros líderes de partidos de menor dimensão.
Mas as diferenças não se ficam por aqui. À Esquerda, todos os partidos exibem essa pertença como um selo de autenticidade. Todos são Esquerda e não querem ser senão de Esquerda.
Já à Direita é o oposto. E não é apenas Rui Rio que choca ao dizer que não é de Direita. Quem não se lembra de Carlos Guimarães Pinto, Cotrim Figueiredo ou Mayan a proclamar que a IL não é de Direita e a reclamar um lugar ao centro do hemiciclo, precisamente entre o PSD e o PS?
Foi logo à nascença do regime que este problema se pôs: a multidão ajoelhou-se diante da Constituição de 76 e não é por acaso que apenas o CDS votou contra o projeto constitucional que proclamava Portugal como uma república socialista.
Entretanto, décadas de regime conduzem a uma aspiração de políticas diferentes. Aqui e ali não se pede apenas alternância, mas verdadeiramente uma alternativa a um ciclo socialista que grassa no País com empobrecimento a todos os títulos (económico, institucional e social).
De resto, não apenas em Portugal, mas um pouco por todo o mundo vivem-se tempos polarizados e de antagonismo.
A erosão do centro é um facto e negar essa evidência é correr o risco de viver fora deste tempo e fora da história. É esse o risco de Rui Rio.
É em face disto que faz sentido perguntar: que Direita será capaz de vingar em Portugal?
Quer-se goste quer não, o único projeto consistente de Direita democrática e popular em Portugal tem um nome e chama-se CDS-PP. Em grande medida o desacerto da aspiração da Direita tem a expressão do peso que as sondagens reconhecem a esse mesmo CDS. Ontem como hoje, a multidão engana-se a si própria quando acredita que é mais fácil converter um partido social-democrata à Direita do que ingressar/reforçar/estruturar um partido popular de direita, democrático, decente e humanista, plural. Porque a Direita continua mais tentada em acreditar em sombras difusas, por mais estimáveis que sejam, do que em estruturar um projeto que desafie o espaço que o socialismo está disposto a conceder-nos.
Será necessário superar isso tudo e procurar novas formas de o dizer. Se o PSD e a IL são outra coisa, o resultado do Chega é em grande medida um frete ao PS, que o encara entusiasticamente. E esse projeto é em grande medida tributário da esquerda marxista como se fosse da luta de extremos que se alcança o ajustamento do regime. Nessa medida, está bem para o Bloco e afins.
Mas é preciso mais do que isso. E creio que é este o alcance das palavras de Francisco Rodrigues dos Santos no MEL: se o centrismo é uma ‘ideologia de fachada’, para travar o socialismo é preciso ‘uma direita forte’.
Temo, com ele, que aqueles que procuram a Direita fora da Direita (ou do CDS?) muito dificilmente a encontrarão.