Arons de Carvalho classifica como “exagerada” a polémica sobre o fim das touradas na RTP depois de 125 personalidades terem promovido uma carta aberta a acusar o Governo de censura. “No contrato não há nada que proíba expressamente as touradas. O que há é uma referência singela à defesa do bem-estar animal. Parece-me que toda esta polémica é baseada nesse boato”, diz Arons de Carvalho, representante do Governo no Conselho Geral Independente (CGI) da RTP.
O novo contrato de concessão do serviço público de rádio e TV define que a programação do canal público deve respeitar o “bem-estar dos animais”. O secretário de Estado Nuno Artur Silva explicou que a transmissão de corridas de toiros não é compatível com este contrato.
Ao i, Arons de Carvalho defende que cabe à direção de programas fazer a “interpretação” do contrato de concessão e decidir se transmite ou não corridas de toiros, porque o contrato é “genérico”.
O antigo secretário de Estado da Comunicação Social confessa que não gosta de touradas, mas admite que a RTP possa continuar a transmitir este tipo de espetáculos. “Não me choca que a RTP, fora do horário de maior acesso aos jovens, difunda programação deste tipo. Essa decisão cabe à direção de programas. Não há aqui nenhuma tentativa de censura por parte da RTP ou do Governo. Não há aqui nenhuma limitação à liberdade da comunicação social”, afirma.
A polémica sobre as touradas na televisão pública ganhou dimensão com a carta aberta, apoiada por muitos deputados e autarcas socialistas, a defender que “a diversidade regional e das suas expressões culturais não podem ser alvo de censura num canal público”.
A iniciativa contou com o apoio de figuras com peso no PS, como o presidente do partido, Carlos César, o histórico socialista Manuel Alegre ou o ex-ministro da Cultura João Soares. Vinte deputados socialistas, entre os quais Sérgio Sousa Pinto e Ascenso Simões, assinam também a carta aberta “pela liberdade de programação na RTP”.
“LAMENTÁVEL” O apoio dado pelos socialistas à tauromaquia mereceu duras críticas do constitucionalista Vital Moreira. “Considero uma contradição nos termos que militantes de um partido humanista como o PS apoiem a barbárie tauromáquica, um exercício sádico de gáudio público com o sacrifício sangrento de seres sensíveis na arena”.
No blogue Causa Nossa, o ex-eurodeputado socialista classificou como “lamentável ver um manifesto contra o anunciado fim da transmissão das touradas na RTP assinado não apenas pelos representantes do Portugal miguelista que subsiste na direita, mas também por eminentes socialistas, incluindo dois anteriores ministros da Cultura”.
A carta aberta contou com o apoio de João Soares e Luís Filipe Castro Mendes, ex-ministros da Cultura de António Costa. Gabriela Canavilhas, ministra da Cultura no Governo de José Sócrates, também assina.
A ideia de avançar com esta iniciativa partiu de um conjunto de municípios que conseguiram reunir os partidos de esquerda e de direita. Deputados e presidentes de câmara do PS, PSD, PCP e CDS contestam a decisão do secretário de Estado Nuno Artur Silva.
Figuras como António Lobo Xavier, do CDS, João Oliveira e António Filipe, do PCP, Adão Silva e Fernando Negrão, do PSD, ou Telmo Correia e Cecília Meireles, do CDS, alinham com a iniciativa que exige alterações no contrato de concessão do serviço público de rádio e TV.
VIOLÊNCIA CONTRA ANIMAIS Dois dias depois desta iniciativa surgiu uma outra a pedir o fim das touradas na RTP. 240 personalidades enviaram uma carta ao ministro das Finanças e ao secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media a defender “uma televisão pública livre da transmissão de espetáculos que se baseiam na violência contra animais e normalizam tais comportamentos, como, por exemplo, sucede na tauromaquia”.
Esta iniciativa, que exige uma RTP mais atenta à proteção dos animais, tem o apoio do humorista Nuno Markl, a cantora Ana Bacalhau, o músico Rui Reininho ou o ator Nuno Lopes.
A carta é também assinada por responsáveis políticos do Bloco de Esquerda e do PAN. Catarina Martins, Marisa Matias, José Manuel Pureza, Inês Sousa Real e André Silva defendem o fim das touradas. A televisão pública não tem prevista a transmissão de nenhuma corrida durante este ano.