Ao fim de uma semana politicamente turbulenta para Boris Johnson, onde o antigo conselheiro especial, Dominic Cummings, o acusou de negligência na resposta do seu Governo à pandemia, causando dezenas de milhares de mortes desnecessárias, Johnson, de 56 anos, decidiu casar em segredo com a namorada, Carrie Symonds, de 33 anos.
A união do primeiro-ministro inglês com a antiga assessora de imprensa do Partido Conservador aconteceu na catedral de Westminster, em Londres, sede da Igreja Católica Inglesa, numa cerimónia privada e, teoricamente, secreta. Este é o terceiro casamento do chefe do Governo e assinala a primeira vez que um primeiro-ministro volta a casar, enquanto está a assumir o cargo, desde 1822. Já lá vão quase 200 anos desde que esta situação não acontecia. O casamento contou apenas com a presença de 30 pessoas, um reduzido número de convidados, em consequência das regras estabelecidas devido à pandemia. Os familiares e amigos que compareceram na cerimónia foram avisados em cima da hora e até os funcionários Boris Johnson terão sido apanhados de surpresa, já que também não foram informados. Desta forma, o casamento acabou por sofrer uma antecipação, uma vez que o primeiro-ministro britânico e a esposa já tinham enviado convites, aos mais próximos, para uma celebração a realizar-se no dia 30 de julho de 2022. Noivos desde dezembro de 2019, Boris Johnson e Carrie Symonds têm em comum um bebé de um ano – é o quinto filho do primeiro-ministro do Reino Unido, que tinha já quatro filhos, de uma relação anterior com Marina Wheeler.
A terceira noiva de Johnson subiu ao altar com um vestido branco esvoaçante e uma coroa de flores brancas no cabelo; o noivo, por sua vez, vestiu um fato escuro com uma flor na lapela. Mas a questão do casamento católico de Boris Johnson vai para além da questão meramente numérica e prende-se com as próprias leis que emanam da Santa Sé: se ao primeiro-ministro britânico é permitido casar na Igreja após dois casamentos anteriores por que razão é negada a mesma possibilidade a milhares de católicos divorciados por todo o mundo? «Alguém me pode pode explicar como Boris Johnson, que deixou a Igreja Católica quando estava em Eton e é duas vezes divorciado, se pode casar na Catedral de Westminster, enquanto eu tenho de dizer a católicos praticantes, que querem um segundo casamento de boa fé, que um segundo casamento pela igreja não é possível?», questionou o padre Mark Drew, da paróquia de Warrington, no seu Twitter. Por sua vez, o padre Paul Butler, da Igreja de Inglaterra, ou anglicana, escreveu no Twitter: «Há sempre uma lei canónica para os ricos e outra para os pobres».
Apesar do casamento ter levantado questões desconfortáveis para o Vaticano, nomeadamente, a sua incapacidade se adaptar às realidades emergentes da nova estruturação da sociedade e da família, como é o caso do casamento entre homossexuais, da transformação da unidade familiar tradicional, da maior abertura para acolher os divorciados e da permissão para que possam realizar nova união no seio da Igreja, existem fatores atenuantes que defendem Boris Johnson. Em primeiro lugar, o Sr. Johnson e a Sra. Symonds foram ambos batizados como católicos e, em segundo lugar, nenhum dos dois casamentos anteriores de Johnson foi na Igreja Católica, dessa forma os dois casamentos – em 1987 com Allegra Mostyn-Owen e em 1993 com Marina Wheeler – são considerados nulos. Para além disso, este é o primeiro casamento de Carrie Symonds.
De qualquer forma, não se tratando de uma ilegalidade, o líder do governo britânico era de facto um homem divorciado e isso continua a levantar questões por parte de analistas que o acusam de ter aproveitado «um buraco nas leis da Santa Sé»: por um lado, o círculo do poder continua a garantir privilégios que são negados ao cidadãos comuns; por outro, a Igreja acaba por se submeter, nesta situação, aos poderosos, quando devia servir, de acordo com os cânones primordiais, os mais humildes.
Em socorro da Igreja Católica pode entretanto ser evocado o Papa Francisco que se tem vindo a mostrar um «reconciliador», um «líder do perdão» e um defensor da reabertura das postas da Igreja para aqueles que as encontravam fechadas. Contudo, embora o papa deseje uma igreja mais inclusiva e misericordiosa, é «alérgico» a qualquer tentativa de politizar o catolicismo, não querendo que a igreja tenha qualquer ligação com políticas partidárias e, neste caso, emerge ainda uma questão política, que abrange as recentes polémicas que envolvem Boris Johnson e o seu executivo. O casamento ‘secreto’ foi noticiado no próprio dia em que o casal subia ao altar e, para muitos, a intenção poderá ter sido «passar uma cortina» sobre uma semana especialmente rígida para o primeiro-ministro britânico.
O antigo líder trabalhista Jon Trickett afirmou que o casamento foi «uma boa forma de enterrar as más notícias» dessa semana: o testemunho do seu ex-assessor, Dominic Cummings, que o acusa de incompetência na forma como lidou com a pandemia, e ainda a polémica que envolve o primeiro-ministro na discussão sobre o financiamento da renovação do apartamento de Downing Street.