por Sofia Aureliano
1. Mal-estar geral. Sondagens e discursos entusiastas à parte, não param de crescer as notícias sobre greves dos transportes, descontentamento dos cidadãos que não têm forma de chegar ao trabalho, quanto mais de cumprir regras de distanciamento social, profissionais de saúde que saem em bloco do público para o privado, colocando em sério risco a prestação de cuidados de saúde especializados no SNS, escolas que fecham porque os auxiliares reclamam por melhores condições salariais, despedimentos coletivos, turismo do sul a perder milhares de clientes por causa do desnorte da tutela a norte, manifestações nacionais da função pública que, antes, eram sinal de um sistema doente, mas agora “fazem parte da democracia”. Agora que o covid já não ocupa todo o tempo dos noticiários, começa a haver espaço para outros temas e têm começado a vir ao de cima as dores de cada um de nós. Todos estamos descontentes por razões diferentes. Todos temos a nossa razão.
Portugal está enfermo e a vacina para a retoma económica ainda não está a ser administrada. Vamos salvar a nossa saúde antes de salvar a do país, que está ainda em cuidados intensivos, com respiração assistida e sem melhoras à vista.
2. Remodelação à espreita? António Costa tem um sono pesado e já deu provas de que pouca coisa o afeta no diz-que-disse da rádio alcatifa política. Contudo, até ele tem limites, e já não deve estar perto de os ultrapassar com a quantidade de asneiras que Eduardo Cabrita faz, dia após dia, pasta atrás de pasta. Por mais resiliente e amigo que ele seja, nem Costa resistirá a não meter este Cabrita no espeto. Pela sua própria sobrevivência. Poderá é fazê-lo de forma dissimulada, subtil, empratada numa remodelação de fundo que trará uma lufada de ar fresco a um governo moribundo que precisa de se renovar e apresentar uma ementa atualizada. Aproveitando a leva da Administração Interna, muda-se a Justiça, que está infetada, e a Saúde que, com exemplos à séria como o do Vice-Almirante Gouveia e Melo, não conseguirá sair deste filme muito saudável. Chuva civil não molha militar. Mas o contrário já não é bem verdade. O desempenho do coordenador da task force num desígnio do Estado veio mostrar que é possível, é viável, existem meios. Só é preciso é gente capaz no comando.
Embrulhado numa remodelação para a rentrée, onde o foco até vai estar mais nas autárquicas, Costa fará substituições estratégicas de peso, que tentará que passem pelos pingos da chuva.
Portugal não merece um Cabrita. Nisso estamos todos de acordo. Mas, recorde-se, senhor primeiro-ministro que, com remodelações ou sem elas, a ficha não fica limpa. A ação ou a ausência dela será sempre do seu governo.
Ficam mais umas sugestões de mudanças para pensar debaixo do coqueiro: com a saída de Tiago Brandão Rodrigues – garanto-lhe! – ninguém se chateava. Com a substituição de Matos Fernandes, o ambiente ficava mais leve e, livrando-se de uns secretários de estado tóxicos como João Galamba ou João Costa, respirávamos todos melhor e o senhor primeiro-ministro tirava uns diabinhos maus do lado esquerdo do ombro. Por fim, se João Paulo Rebelo deixasse de aparecer ninguém ia sequer reparar… ele, na realidade, só fala quando é encurralado. E, mesmo assim, nunca sabe, não viu, desconhece e qualquer matéria é de outra pasta.
3. Oposições, há muitas. Em Ciência Política, costumamos refletir sobre os tipos de oposição que existem. Em abstrato, quando estudamos os clássicos, e em concreto, com exemplos do dia-a-dia. Academia à parte, há necessariamente sempre quem goste mais de um estilo do que de outro, há quem tenda inevitavelmente para uma versão, porque as suas características pessoais assim o ditam, mais discreto, mais aguerrido, mais provocador ou simplesmente calado. Hoje, temos uma oposição rica em “tipos”, e muitos tipos diferentes a fazer oposição. O que é excelente matéria-prima para quem se interessa por estas temáticas. Academicamente ou para mote de conversas de café.
A pergunta de um milhão de euros: Há algum estilo que resulte mais do que outro? Depende. Da pessoa, das circunstâncias, do papel e da responsabilidade de cada um e da conjuntura.
Se o líder de um movimento recente, que se quer em ascensão, for pacato ou discreto, não vociferar em decibéis elevados fazendo sobressair as veias salientes do pescoço e não discursar invariavelmente como se estivesse a encerrar entusiasticamente o seu último comício antes da derradeira eleição, ninguém o vê. O movimento não cresce. O partido morre.
Se um líder de um partido de poder, normalmente considerado moderado, característico por ser calmo, tranquilo e controlado, habituado a falar em público e a fazer fintas a microfones, se exaltar inesperadamente sobre um tema, e mudar para um tom agressivo, hostil e desequilibrado, a forma passa a ser notícia e ninguém ouvirá o conteúdo.
Há também os tipos descontraídos e bonacheirões que, sem grande profundidade, ora com ironia ora com sarcasmo, mas sempre dando ideia que estão ali “por acaso”, vão picando aqui e acolá. São oposição leve mas que, nos tempos que correm, têm os ingredientes certos para rapidamente se tornarem virais e, por isso, terem maior alcance. Não tendo como objetivo (assumido) chegar ao poder, vão fazendo pequenas mossas com os seus memes e chalaças e deixando umas nódoas negras a quem estiver no caminho (de acesso ao poder que, “Deus os livre e guarde”, não querem!).
O estilo de oposição não depende apenas dos protagonistas. Aliás, hoje em dia, será deles que menos depende. Cada um pode dar um cunho pessoal associado à sua forma de estar e de ser, mas a sua atuação está sempre balizada pela conjuntura do papel que ocupa e do partido que representa. Um pau de dois bicos, porque o posicionamento partidário, esse sim, é da inteira responsabilidade dos líderes políticos.
Quer isto dizer que, uma vez escolhido o “azul”, estão condicionados a ele. E porão tudo em causa se algum dia arriscarem sequer flirtar com o “amarelo”.
Livres e iguais a si mesmos são aqueles que, já tendo sido protagonistas, ainda geram interesse, mas estão fora de jogo e (aparentemente) à margem da arena política. Esses podem dizer o que quiserem, como quiserem, a quem quiserem, quando quiserem.
Ou não dizerem nada. Sem medos de análises profundas nem consequências. E, na maior parte das vezes, é sem a baliza e o peso da conjuntura que se faz a verdadeira oposição.