Por Nelson Mateus e Alice Vieira
Querida avó,
Há coisas que me atormentam há anos! Conto com a tua clarividência para me ajudares a resolver este dilema.
«Santo António já se acabou/ O São Pedro está-se a acabar/ São João, São João…».
Não percebo, como é que São Pedro está-se a acabar se o São Pedro celebra-se a 29 e o São João a 24?
Outra coisa que me atormenta, a mim e a todos os que gostam de celebrar o St. António, é que pelo segundo ano consecutivo não há comemorações para ninguém! A não ser que seja de forma ilegal.
Mais um ano sem Marchas, sem Casamentos, sem Arraiais. Nada!
Tudo começa em Lisboa. Numa casa no bairro da Sé onde o menino, que viria a ser Santo, veio ao mundo.
A devoção popular colocou-o entre os santos mais amados. Muitos atribuem-lhe muitos milagres e graças.
A fama do Santo António vai além-fronteiras.
A origem de toda essa superstição parte de algumas lendas populares. Uma delas conta que uma rapariga queria casar, mas não tinha dote para oferecer à família do noivo.
Desesperada para obter o dote, ajoelhou aos pés de uma imagem de St. António e suplicou pelo dito dote com muita fé. Pouco tempo depois, surgiram aos seus olhos moedas de ouro que lhe permitiram ter o dote para casar. Santo António morreu aos 36 anos, precisamente no dia 13 de junho. Há uns anos fui visitar o belíssimo Museu de São Roque, em Lisboa.
Nessa visita, para além de outras coisas, falaram-me das ‘Relíquias de Santo António’, e de todos os sinos da cidade de Pádua terem começado a tocar precisamente à hora da sua morte, mesmo este não se encontrando em Pádua.
Muitos desconhecem que o padroeiro de Lisboa é São Vicente e julgam que é Santo António. O que não podemos ignorar, é que o outro António (Costa) não quer nem um só fogareiro na rua. O melhor é as pessoas terem juízo e não contribuírem para o agravamento da situação.
Se não fosse teres feito do teu terraço uma marquise, bem que podíamos fazer um belo arraial nesse espaço.
Viva o Santo António.
Bjs
Querido neto,
Quando chega Junho, o meu amigo Alberto conta sempre a mesma história. Eu já não o posso ouvir. Tem a ver com o nascimento da filha, que só era esperada em Julho.
Quando chegou a noite de Santo António, o Alberto ainda tentou levar a mulher. Mas ela, com aquela barriga, disse-lhe que não.
Que fosse ele, e lhe trouxesse um manjerico.
Minutos depois de ele ter saído, marchava a mulher para as urgências, queixando-se de umas estranhas dores nas costas.
A enfermeira riu-se:
É a sua criança que vem aí!
Horas depois entrava o Alberto nas urgências, de manjerico na mão, perguntando pela mulher, que lhe deixara um bilhete em cima da mesa da cozinha: «vou ao hospital, não demoro».
Alguém lhe diz que ela está na sala de partos porque a criança se adiantara, mas ninguém lhe diz mais nada.
Ele anda para trás e para a frente, de manjerico na mão, a perguntar a todos, ele que se preparara para ser um pai exemplar, até tinha a máquina de filmar pronta para o grande dia, e agora nada, ali apanhado desprevenido, sem notícias. Enfia a cabeça pelo guichet das informações a torna a pedir notícias, mas entretanto a enfermeira mudara e ele tem de dar outra vez todos os dados, e a enfermeira quer saber a que horas é que a doente entrou, e ele diz que não sabe, que só quando chegou a casa é que…
E a enfermeira rosna: «estou a ver…a mulher em casa a trabalhar, e ele na farra!».
O Alberto diz que não é bem assim, que a mulher estava grávida e que…
E a enfermeira dá então uma grande gargalhada, «a mulher a ter a criança e ele na rambóia! Meu Deus, os homens são todos iguais!».
O Alberto calou-se, cansado, e acabou por se deixar cair numa cadeira e esperar.
Horas depois chegava o médico:
«Parabéns, tem ali uma bela rapariga, que…».
Mas o médico não disse mais nada: colarinho desapertado, descalço, e manjerico na mão, o Alberto dormia o sono dos justos.
Feliz Santo António.
Bjs