A guerra sem fim à vista no Sahel, a enorme extensão semi-desértica abaixo do Saara, onde nenhum Estado existe e proliferam milícias, traficantes de droga e armas ou grupos jiadistas transbordou para o Burkina Faso, que até recentemente evitara o pior do conflito. Enquanto Eddie Komboigo, líder da oposição burquinense e do Congresso pela Democracia e Progresso (CDP) se dirigia a Lisboa, começo de um périplo europeu, mais de 160 dos seus concidadãos eram massacrados na aldeia de Solhan, domingo passado, presumivelmente por jiadistas, provocando milhares de deslocados.
«Ninguém lhe consegue dizer quem mata, quem dispara, porquê», desabafa Komboigo ao SOL, num terraço lisboeta. «Às vezes dizem que é por causa do islão, mas nós não sabemos. E isso é fundamental para uma solução para esta guerra, saber o que querem. Só aí é que se resolve o problema».
Para o dirigente político, mesmo a operação Barkane – composta por uns cinco mil tropas de França, a antiga potência colonial, colocados no Sahel, para combater filiais do Estado Islâmico e Al Qaeda – «nunca levará à paz, há poucos soldados e a guerrilha está por todo o lado». Komboigo não tem uma resposta concreta para o problema, sabe só que «é preciso encontrar um caminho, em que se escuta os interesses que têm essa gente».
Salientando que os azawad – o nome dado a rebeldes tuaregues do norte do Mali, tanto aos que exigem mais autonomia como aos jiadistas lá pelo meio – são um grupo diverso, talvez se pudesse negociar com os moderados.
A história é complicada, e como em todas as guerras, no fundo no fundo, mais do que ideologia ou valores, está em causa ouro. Ouro não como metáfora – debaixo das areias do Sahel há mesmo ouro, bem como petróleo.
«O problema começou em 2011, com a guerra contra o coronel Muammar al-Gaddafi, na Lìbia, que era um tampão entre o Sahel e a Europa», assume Komboigo, categoricamente. Depois, os muitos mercenários tuareges empregues por Gaddafi, voltaram a casa, armados com o arsenal líbio, que ainda hoje circula na região. Após tomarem o norte do Mali, onde tinha sido deixados fora do poder, e serem parados por uma intervenção militar francesa, obteve-se um acordo para autonomia da região – que, anos depois, seria renegado, deixando os tuaregues pendurados.
O maior problema foi mesmo quando impediram os tuaregues de ter acesso a maquinaria de extração de ouro e petróleo, a sua grande fonte de financiamento. Ainda foram pedir maquinaria e apoio técnico e ao Burkina Faso, conta Komboigo – acusando o Governo do seu rival, Roch Marc Kaboré, de ignorar esses pedidos.
Daí para a frente foi o descalabro. E já não são só os tuaregues revoltados, as restantes dinâmicas étnicas da região entraram em jogo. Aliás, no caso do ataque no Burkina Faso, pensa-se que o alvo tenham sido as milícias anti-jiadistas Voluntários para a Defesa da Pátria – acusadas de cometer abusos contra a etnia fula, maioritariamente muçulmana.
«Em algumas aldeias, houve uma reação contra os fula», admite Komboigo, preocupado. «Algumas vezes, os tipos que atacam aldeia são fulas, parecem fulas, falam fula nos vídeos de propaganda. Um ou dois fulas cometem os crimes, e a reação é atacar todos. É um problema, um grande erro».
«Quando começou o conflito, roubaram todo o gado dos fulas, que são sobretudo pastores. Depois é fácil recrutar e pagar a esses jovens para fazer ataques», explica o dirigente burquinense. «Há que por a economia no centro da solução, porque lhes tiraram os meios de subsistência».